Andreia Sanches e Daniela Gouveia, in Jornal Público
O presidente da Câmara de Loures considera que "o ideal" é que as comunidades cigana e africana se entendam."Não se pode começar a criar guetos", separando as comunidades, diz o autarca de Loures, Carlos Teixeira
A solução ideal para o bairro da Quinta da Fonte, palco de violentos confrontos na sexta-feira, passa por acalmar os ânimos e fazer com que as famílias ciganas que abandonaram as suas casas por medo de agressões regressem. Esta ideia foi várias vezes repetida ontem, quer pelo presidente da Câmara de Loures, quer pela governadora civil de Lisboa. Mas dezenas de ciganos que moram no bairro há anos garantem que não voltam: "Ainda [na madrugada de ontem] houve frigoríficos a voar pelas janelas, estão a assaltar-nos as casas, dizem que nos matam", afirmou um morador de 40 anos que não se quis identificar por receio de "represálias".
Nos últimos dias, 20 casas de famílias ciganas foram vandalizadas. Isto apesar de o policiamento ter sido reforçado e da presença quase constante da comunicação social nas ruas do bairro. "Há grupos minoritários que actuam ao cair da noite. Estão, segundo sei, identificados", afirmou o autarca de Loures, Carlos Teixeira, numa conferência de imprensa realizada após uma reunião com elementos da comunidade cigana. Esses "grupos minoritários" serão jovens, alguns dos quais associados a crimes de carjacking, adiantou mais tarde a governadora civil de Lisboa, Dalila Araújo: "A polícia está na rua e nem se apercebe" do que se passa, já que "são os próprios habitantes dos prédios que vandalizam as casas.
"Dormir debaixo da ponte"
O problema é que são identificados pela polícia", continuou Carlos Teixeira, "e depois saem com termo de identidade."Ontem, com dezenas de moradores à porta do edifício da câmara de Loures, o autarca não escondia a "preocupação" que este caso está a suscitar. Diz que o que se está a passar no bairro é "um desentendimento entre duas comunidades" - uma de origem africana e outra origem cigana - e que "o ideal seria que as duas comunidades se entendessem". É que a câmara não tem casas disponíveis para atribuir às 50 famílias ciganas "que não sentem segurança para voltar ao bairro". E também "não se pode começar a criar guetos, com brancos de um lado, ciganos de outro e africanos de outro".
Para já, a Segurança Social está a tentar encontrar uma solução para um realojamento temporário das famílias, até que "as divergências que existem entre as duas comunidades" sejam sanadas. João Domingues, vereador da câmara de Loures, adiantou que outra das soluções pode ser um programa através do qual as famílias podem adquirir habitação noutro local a preços controlados com comparticipação da câmara. À porta da câmara, uma mulher de 39 anos contava que abandonou o apartamento onde vive há 11 anos no sábado: "Estou a dormir num carro, mais os meus filhos, as minhas noras e os netos." E como ela muitos outros. José Prudêncio contou à Lusa que está a pernoitar sob a Ponte Vasco da Gama. Dalila Araújo diz que toda a gente quer que a paz regresse. E que o contrato local de segurança, anunciado no sábado, será fundamental. A ideia é "comprometer as várias entidades da sociedade civil, através das instituições particulares de solidariedade social e líderes das comunidades". A comunidade africana diz que não é impossível "encontrar uma solução de paz, através do diálogo", garantiu, à saída da reunião com Dalia Araújo, o pastor Maurício Nascimento, da Igreja Quimbanguista da Apelação.
Foi "um erro" juntar 2500 pessoas e depois despejá-las num só bairro
Foi "um erro" juntar 2500 pessoas num bairro "e despejá-los lá", afirmou ontem o presidente da Câmara de Loures, Carlos Teixeira. É demasiada gente num só sítio. Mas "A Expo-98 tinha que se realizar" e foi assim.
De então para cá, as políticas de realojamento mudaram, diz o autarca. E mesmo na Quinta da Fonte várias iniciativas têm sido levadas a cabo para promover a integração de todos: "Aquele bairro tem uma série de actividades que outros não têm, há uma casa da cultura, promovem-se colónias de férias... há uma série de programas.
"Muitos dos habitantes da Quinta da Fonte viviam em barracas, no Prior Velho, por exemplo. Na sequência da construção das infra-estruturas necessárias para a Expo-98, tiveram de ser realojadas. Nos últimos anos, as tensões começaram a sentir-se. "Começou a haver assaltos, roubos. Não estou a dizer que todos os africanos são maus, também há ciganos maus e brancos maus", afirmava ontem José Fernandes, habitante de etnia cigana da Quinta da Fonte, que ontem participou na concentração junto ao edifício da Câmara Municipal de Loures. "Mas a comunidade cigana passou a ser alvo."O tiroteio de sexta-feira é visto como resultado dessa tensão. E agora "a etnia cigana está em debandada" porque se sente atacada, afirmou Arrobas da Silva, advogado que ontem representou as famílias ciganas na reunião com Carlos Teixeira. Já o presidente do agrupamento de escolas da Apelação, Félix Bolaños, garante que os confrontos de quinta e sexta-feira envolveram "um grupo de 20 pessoas que decidiu fugir às regras da lei e teve o azar de ser filmado": "Todas as outras pessoas estão integradas e gostam de viver na Apelação.""Estamos envolvidos numa série de projectos que não vamos alterar", disse Bolaños ainda, sublinhando sempre a palavra "comunidade", referindo-se às duas etnias.
A governadora civil de Lisboa, Dalila Araújo, fez questão de sublinhar ontem que os membros da comunidade africana que recebeu no seu gabinete são "jovens com um belíssimo trabalho", que integram alguns projectos intervenção social no bairro e que "querem receber a etnia cigana".
Paulinho Zola, um desses representantes, disse estar disponível para encontrar soluções para que a paz regresse ao bairro. Sobre actos de vandalismo nas casas da comunidade cigana garante que não sabe de nada. A.S. e D.G.