in Jornal de Notícias
As Nações Unidas lideraram ontem as críticas à forma como os países desenvolvidos protegem os rendimentos dos agricultores, ainda que, por isso, o preço dos alimentos esteja tão alto que ameaça de fome mil milhões de pessoas.
Um dos alvos dos ataques dos líderes mundiais reunidos pelo Programa Alimentar da ONU em Roma foi a Política Agrícola Comum europeia que não só gasta 40 mil milhões de euros em subsídios como impõe tarifas à importação de alimentos de países em vias de desenvolvimento. Mas não só. Também estiveram em discussão a maior procura de cereais para produzir biofuel, a resistência ao uso de organismos geneticamente modificados ou o fim das restrições às exportações de cereais por parte de alguns dos maiores produtores mundiais. O verdadeiro impacto de cada um destes factores foi um dos temas de discussão mais acesa, segundo os relatos das agências internacionais. O biofuel, por exemplo, é responsável por apenas 3% da escalada de preços, de acordo com o Governo norte-americano, ou por até 30%, segundo a organização humanitária Charity Oxfam. Já Lula da Silva, presidente do Brasil (o maior produtor mundial de álcool usado como combustível em carros), apontou antes o dedo ao "proteccionismo intolerável" das nações mais ricas. "Os subsídios criam dependência e destroem sistemas produtivos inteiros, causando fome e pobreza onde podia haver prosperidade. Está na altura de acabar com eles", disse. A discussão sobre as ajudas à produção será retomada em Julho, quando os oito países mais industrializados reúnem no Japão para fazer os últimos ajustes numa proposta destinada a desbloquear as negociações na Organização Mundial do Comércio. Todos estes factores - e o aumento da procura causado pelo melhor nível de vida de países como a China e a Índia - fizeram disparar os preços dos alimentos. Cálculos citados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, indicam que a factura global poderá atingir os 10 a 13 mil milhões de euros por ano e que a produção terá que aumentar em 50% só para fazer face à maior procura. Estimativas indicam que, na próxima década, os preços continuarão 50% mais altos. Nos últimos dois anos, o preço dos maiores produtos alimentares duplicou e o arroz, milho e trigo estão em máximos de sempre. O cenário levou o Banco Mundial a reforçar pedidos de ajuda, não só para os 850 milhões de pessoas que já passam fome neste momento (e cuja ajuda é cada vez mais cara) como também a outros cem mil em risco de subnutrição. Os países africanos de expressão portuguesa e Timor Leste serão dos mais afectados pela crise e foram lembrados pelo ministro português da Agricultura, Jaime Silva. Depois de um encontro com pescadores em Lisboa, e antes de voar para Roma, defendeu uma "ajuda estrutural, que tem falhado, aos países onde há fome". Essa resposta, afirmou, citado pela Lusa, tem que ser dada "hoje, porque a fome já lá estava ontem". A conferência sobre a alimentação e a fome terminará amanhã, esperando-se propostas concretas e imediatas para minimizar as consequências da crise alimentar.