Manuela Paixão, Roma, in Diário de Notícias
Crise. São 191 os representantes dos países membros das Nações Unidas que se reúnem em Roma durante três dias para discutir a subida dos preços dos alimentos e as dramáticas consequências nos países mais pobres. Ontem, foram avançadas algumas soluções para resolver a crise alimentar
Custos com comida atingiram máximo em 30 anos
Produzir mais. Esta é a solução mais simples para a actual crise alimentar, provocada pela escalada dos preços das matérias-primas agrícolas e pelo aumento dos custos de produção - em especial devido aos recordes dos combustíveis. A ideia foi partilhada, ontem, pelo secretário-geral das Nações Unidas, aos participantes da reunião extraordinária da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma. Ban Ki-Moon sublinhou que a produção mundial de alimentos terá de crescer em 50% até 2030 para responder ao previsível aumento da procura. E falou de uma "oportunidade histórica para revitalizar a agricultura".
Este encontro ganhou contornos invulgarmente políticos devido à crise alimentar provocada pelo aumento para o valor mais alto em 30 anos do custo dos alimentos, a preços reais. Segundo os números da FAO, a actual crise provocou situações de fome em perto de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. A emergência do actual contexto levou a que muitos dos principais responsáveis políticos fizessem questão de estar em Roma durante o encontro que dura até amanhã .
"Os governos puseram de lado decisões muito difíceis, nestes últimos tempos, e subestimaram a necessidade de investimentos na agricultura. Hoje, o mundo inteiro paga um preço demasiado alto", declarou Ban Ki-Moon durante o discurso de abertura do encontro.
"Se os países em vias de desenvolvimento tivessem investido na agricultura o que gastaram em armas, o problema alimentar estaria neste momento resolvido", declarou, por sua vez, Jacques Diouf, director geral da FAO. Esta organização, integrada nas Nações Unidas, avançou ainda com algumas sugestões para aliviar o peso da crise actual.
O presidente do Brasil, Lula da Silva, reafirmou, por seu turno, a prioridade do seu governo com o programa "Fome Zero" (três refeições por dia nas escolas). E, citando os mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo que cada noite se deitam sem jantar, propôs encontros anuais entre países desenvolvidos e outros em vias de desenvolvimento como forma de arranjar novas fontes e recursos de financiamentos.
"Fizemos muito até aqui, mas não o suficiente. O problema da fome e subnutrição é maior, sobretudo com o aumento dos preços, mas também porque mais gente é alimentada com campanhas e iniciativas de solidariedade. É óbvio que um dos grandes factores negativos, hoje em dia, é o aumento dos preços da energia", disse Lula.
O presidente brasileiro solicitou ainda a eliminação total dos subsídios agrícolas nos países industrializados, acrescentando que "é preciso evitar que a culpa do preço dos alimentos recaia e afecte os mais pobres". "Subsídios provocam dependência, quebram sistemas inteiros de produção, e provocam fome e pobreza onde poderia existir prosperidade. A verdadeira segurança alimentar deve ser global e baseada na cooperação", sugeriu.
Em 2008, a produção dos cereais crescerá 3,8% , mas os preços não vão baixar, devido à necessidade de reconstituir reservas alimentares e pela cada vez maior procura na China e Índia.
Segundo Jacques Diouf, director-geral da FAO, "não há mais tempo para conversas, a instabilidade climática e os desastres dos últimos anos, provocam anualmente 262 milhões de vítimas de calamidades naturais, dos quais 98% vive em países em desenvolvimento".
Outro factor que está ligado à emergência alimentar é o dos biocombustíveis, cuja procura "aumentará em 12 vezes até 2016, passando de 15 a 110 milhões de toneladas", declarou Diouf, que aproveitou para pedir aos líderes mundiais 30 mil milhões de dólares anuais para relançar a agricultura.
Num discurso empolgado, o director geral da FAO, indicou que em 2006 o mundo gastou 1,2 mil de dólares em armamento, enquanto se estragou comida no valor de 100 mil milhões de dólares. E o excesso de consumo por pessoas obesas chegou a 20 mil milhões a nível mundial.
Relançando o desafio contra a fome durante esta cimeira em Roma, o primeiro ministro espanhol, José Luís Zapatero, propôs uma nova conferência no Outono, para decidir uma Carta sobre a Segurança Alimentar, já que " as instituições internacionais não têm sabido dar resposta às emergências económicas e sociais destes últimos anos". E considerou fundamental para a defesa da agricultura, "ajudar os pequenos agricultores criando condições que hoje não existem".
"Sabemos que podemos alimentar o mundo inteiro, mas mesmo assim uma criança morre a cada 30 segundos, cada dia 25 000 seres humanos morrem de subnutrição, e cada dia mais de 850 milhões de pessoas passam fome", lembrou o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Com P.F.E.