12.7.08

Famílias abrem falência para escapar às dívidas

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

Será o estigma da falência - ou insolvência, em linguagem técnica correcta - que mais inibe as pessoas de procurarem junto dos tribunais uma solução para dívidas acumuladas e que já não conseguem pagar.

Isso e a autêntica "pena suspensa" durante cinco anos que a medida implica. Mas, findo esse tempo, a pessoa falida vê anuladas todas as dívidas que ainda tenha e pode recomeçar do zero.
Em 2006, últimos dados disponíveis, 370 pessoas foram declaradas falidas (ou insolventes, como diz a lei). De então para cá, os números estarão a subir, pelo menos de acordo com quem lida de perto com casos concretos.

Natália Nunes, do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da Deco, tem sentido em primeira mão o aumento do número de pessoas que se vêem submersas em dívidas. "Há casos de pessoas que pediram a insolvência em tribunal, sobretudo por causa da descida do nível de rendimentos e sem perspectiva de os conseguirem aumentar", diz. Quando a procuram, adianta, "na grande parte dos casos, já estão em incumprimento. Dizemos quais os caminhos a seguir (ou chegar a acordo com os credores, ou sujeitarem-se a penhoras ou pedirem a declaração de insolvência), mas as pessoas é que têm que decidir".

E muito devido ao "estigma social associado", poucas são as que preferem ir a um tribunal pedir a falência, apesar das várias vantagens que daí podem retirar. Natália Nunes explica que, afastada a possibilidade de chegar a acordo com os credores, sempre a preferível, deixar o caso chegar ao ponto em que os credores vão a tribunal pedir a penhora dos seus bens é penoso. "Se a pessoa não estiver a cumprir vários créditos, arrisca-se a ter vários processos judiciais, que se podem arrastar durante anos". No caso da insolvência, todos os credores sentam-se à mesma mesa e tudo se resolve no mesmo processo.

Mas, "por desconhecimento", as pessoas não recorrem mais a esta solução, acredita Artur Ribeiro da Fonte, da Associação dos Liquidatários Judiciais.

Como funciona?

Antes de tudo o mais: não esquecer de pedir "exoneração do passivo restante" logo que vá a tribunal entregar o requerimento inicial de pedido de declaração de insolvência, avisa Ribeiro da Fonte. A frase significa que, passados os cinco anos previstos na lei, as dívidas que a pessoa ainda tenha são exoneradas, ou seja, anuladas, esquecida, apagadas para sempre.

Mas a um custo elevado. Ribeiro da Fonte explica que, na maioria dos casos, o administrador apreende todos os bens. E para beneficiar do plano de pagamentos, a pessoa é forçada a trabalhar e a entregar-lhe o salário, recebendo apenas o suficiente para viver. "É uma vida difícil, são pessoas que já perderam tudo e estão em situação extrema", diz.

A experiência pessoal de Ribeiro da Fonte passa só por pessoas falidas por causa de empresas família e de compromissos assumidos pessoas com a banca, como garantias ou avales. "Há vários grandes empresários em muitas dificuldades", assegura.

Mas nada impede que qualquer pessoa siga este caminho, se assim quiser, sabendo que ficará com a vida em suspenso durante cinco anos.

Será o tempo justo?

"Cinco anos é demasiado tempo para quem perdeu tudo". Catarina Frade, do Observatório do Endividamento, não tem dúvida. Em países como a França ou a Bélgica, certos casos - os mais extremos, sem hipótese de conseguir pagar - vêem as dívidas perdoadas de imediato, conta. Nos Estados Unidos, o prazo é de quatro meses. Até a Alemanha, país onde Portugal se inspirou para a lei a vigor desde 2004, está a discutir a redução do prazo.

No extremo oposto está quem defende que, por uma questão moral, as pessoas devem fazer todos os sacrifícios para honrar os compromissos assumidos. "E os casos de pessoas que deixam de pagar porque perderam o emprego, se divorciaram, adoeceram?", questiona. "Como separar os azarados dos irresponsáveis?". Além de que, lembra, quem empresta dinheiro assume um risco e faz-se pagar por isso, cobrando juros.

Por isso, Catarina Frade apela à mudança da lei. "Recomeçar do zero já é difícil o suficiente".