Luís Garcia, in Jornal de Notícias
Medo de represálias deixa famílias em pânico apesar do reforço policial
Várias famílias ciganas estão a fugir do Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, com medo de represálias na sequência dos desacatos. Algumas até invadiram casas vazias, acabando por passar a noite de anteontem ao relento.
"Tenho de fugir. Eles juraram que vinham aqui matar os ciganos". O tom assustado deste homem de etnia cigana, que por medo não diz o nome e muito menos quer ser fotografado, aplica-se a muitos outros habitantes da Quinta da Fonte que abandonaram o bairro durante os dois últimos dias.
Apesar da aparente calma que dominou o bairro durante o dia de ontem, devida, em parte, ao forte dispositivo policial que ainda se encontra no local, o bairro mais parece um barril de pólvora à espera de uma faísca que provoque nova explosão com consequências bem mais catastróficas do que as dez pessoas feridas no tiroteio de quinta-feira.
Não obstante serem vistos por sociólogos como fruto de vários factores de risco, desde a estigmatização social à pobreza, passando pela falta de integração e pelo desemprego, os confrontos de quinta e sexta-feira estão a ser encarados pela população como um conflito entre ciganos e africanos.
"Por causa das desavenças dos outros, há 70 ou 80 famílias ciganas que só querem paz e sossego a ser ameaçadas e maltratadas, disse o mesmo homem ao JN, enquanto acabava de atafulhar o recheio da sua casa dentro de uma carrinha. Com 30 anos, pai e mãe presos, uma mulher grávida e um filho de dois anos "para sustentar", o homem já nem quer saber se tiver que "ir morar para debaixo duma ponte". Tudo é preferível a ficar.
Os africanos, maioritários no bairro, também preferem não se identificar mas parecem dar razão às pessoas que partem. "Os ciganos só fazem confusão. Nós não queremos guerra, mas se eles provocarem, não têm hipótese", diz um africano, admitindo que não se importa nada de ver os ciganos saírem da Quinta da Fonte.
A rivalidade é quase tão antiga como os confrontos, entre os dois grupos. Segundo o presidente da Junta de Freguesia da Apelação, José Henriques Alves, há vários anos que os moradores, em especial os de etnia cigana, pedem para sair da Quinta da Fonte. No entanto, segundo o autarca, a Câmara de Loures nada tem podido fazer, dada a falta de habitações para o efeito.
Na noite de anteontem, um grupo de moradores da Quinta da Fonte tentou ocupar casas destinadas a realojamentos, no bairro da Quinta da Mós, na freguesia vizinha de Camarate (Loures).
As primeiras famílias entraram nas casas do lote 25, tendo a PSP chegado ao local poucos minutos depois, quando mais habitantes de etnia cigana se preparavam para ocupar as habitações.
Os elementos do Corpo de Intervenção da PSP convenceram as pessoas a abandonar as casas. Algumas famílias acabaram por passar a noite ao relento. Cátia Carmo, uma das moradoras, queixava-se das ameaças dos vizinhos. "Lá em casa, na Apelação, não podemos estar. Querem-nos matar", disse a mulher à SIC.
O presidente da Câmara Municipal de Loures, Carlos Teixeira, recusou que seja a autarquia a resolver o problema, como exigem as famílias em causa, explicando que "elas têm uma casa que lhes foi atribuída no âmbito do Plano especial de Realojamento, há cerca de dez anos atrás".
"Não vão ser realojadas, porque não temos outros locais para as realojar e nem é nossa obrigação", disse, acrescentando que os munícipes nunca compreenderiam que uma câmara tomasse uma atitude dessas ou que resolvesse conflitos entre vizinhos.