Por Maria João Lopes, in Público on-line
Tem 28 anos e diz que é mais uma entre muitos recém-licenciados e mestres que têm de omitir habilitações e criar várias versões do curriculum vitae (CV), de forma a garantir que a chamem mais depressa para entrevistas de trabalho.
"Adapto-o de acordo com o anúncio publicado para desempenhar esta ou aquela função", conta Ana Gomes, que tem uma licenciatura e um mestrado em Teatro. Melissa Veras, de 30 anos, que estudou Educação Social na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, segue a mesma estratégia: "Neste momento, tenho quatro currículos mais activos", diz. Se Ana Gomes já ouviu que seria "mais baratinho" contratar alguém com o 12.º ano, em vez de uma licenciatura, Melissa Veras conta que já foi "vetada" por ter mais currículo do que aqueles que seriam seus superiores.
Ana Gomes também tem quatro versões do CV. A primeira é a "verdadeira e actual". Na segunda coloca apenas, nas habilitações académicas, a licenciatura, e acrescenta a experiência em Teatro. Na terceira versão, reduz os estudos ao 12.º ano e à experiência profissional em Teatro. Finalmente, na quarta, volta a apostar no 12.º ano e na experiência profissional nas áreas do comércio, telecomunicações e restauração.
"Já me aconteceu numa entrevista dizer que sou licenciada e, do outro lado, responderem-me: "Que pena... se tivesse só o 12.º ano ficava mais baratinha". Pois é, chegámos a isto, ou seja, não estavam disponíveis para pagar aquilo que é justo e depois ouvimos disparates como estes", queixa-se.
Embora já tenha "escondido ou omitido um pouco de tudo", adaptando o CV à candidatura em questão, Melissa Veras nunca colocou apenas o 12.º ano. Mas conta que já foi preterida por ter mais formação do que as pessoas que seriam suas superiores hierárquicas ou colegas. Apesar de já se ter sentido várias vezes decepcionada, sublinha que até agora nunca ouviu a frase "não tens o que é preciso para esta função". E é isso que, apesar de a deixar frustrada, a faz continuar a acreditar no seu "valor".
"Mestrados, doutoramentos, experiências internacionais fazem um bom currículo na teoria, mas têm pouca utilidade prática nesta fase que, espero, para o bem do país, seja temporária. Diz que já foi mesmo aconselhada por uma empresa de recursos humanos a reduzir o currículo. A mensagem que lhe passaram foi: "Tem de tirar coisas do seu CV".
Os candidatos têm consciência da falta de tempo de que os empregadores dispõem para analisar tantas candidaturas: "Os critérios dos recrutadores para escolher quem passa à fase de entrevistas, por limitações internas face à quantidade de candidatos, muitas vezes acabam por ser tão arbitrários como, por exemplo, os primeiros 100 CV a chegar são os únicos que se lêem. Por isso penso que neste momento há vantagens em tirar coisas do CV, de forma a que seja simples e atraente, e que diga algo ao recrutador de modo imediato", defende Melissa Veras.
Resiliência e flexibilidade
O primeiro passo é conseguir que quem está a recrutar pegue naquele currículo e não nos outros: "A qualidade não interessa tanto, nesse primeiro momento, como o impacto, pois o objectivo é conseguir a ambicionada entrevista. Uma vez lá, nada nos impede de trazer à luz o nosso CV real e completo", ressalva Melissa Veras, que, apesar de algumas experiências de trabalho temporário de curta duração e participações em projectos musicais e de fotografia, está desempregada há cerca de dois anos.
Sandrine Veríssimo, funcionária da Hays, empresa de recrutamento e selecção, entende que o facto de o empregador ter "ao seu dispor" uma grande oferta de jovens com elevadas qualificações académicas torna o mercado de trabalho mais exigente e competitivo. Esta mudança não se traduz, porém, na depreciação da vertente académica, mas na procura também de outras competências - as "chamadas soft-skills" -, que passam pela "polivalência, resiliência, flexibilidade, dinamismo e capacidade de adaptação": "Para além do empregador poder optar por candidatos jovens com boas qualificações académicas, também valorizam bastante a experiência profissional que os mesmos tiveram ao longo do seu percurso académico, quer seja estágios ou pequenas experiências de trabalho que tenham permitido aos jovens ter algum contacto com o mercado de trabalho e com a realidade empresarial", explica por e-mail.Apesar de sublinhar que as empresas multinacionais e nacionais de grande dimensão continuam a valorizar a formação superior, Pedro Hipólito, da Ray Human Capital, outra empresa de recrutamento e selecção, admite que a ocultação da formação académica possa ocorrer, "em certas situações".
Refere-se a casos de alunos que passam da licenciatura e do mestrado para doutoramento e, "após alguns anos neste percurso, não o sentem reconhecido quando abordam o mercado": "É comum que uma empresa perante dois jovens da mesma idade, privilegie o que tem formação académica superior (licenciatura ou mestrado) e experiência profissional, em vez do que tem um doutoramento e não tem experiência profissional", defende.
Pedro Hipólito frisa, contudo, que não tem dados que possam confirmar que jovens, e não só, sejam chamados mais depressa para entrevistas por omitirem habilitações: "Provavelmente poderá acontecer para funções de cariz mais indiferenciado". Já para outros cargos, insiste que as licenciaturas continuam a contar: "Da nossa experiência junto de mercado de trabalho, para funções técnicas qualificadas, a grande maioria das empresas apostam em jovens com formação académica superior."
Desde que terminou o curso, no início de 2011, Ana Gomes tem tido trabalhos temporários e precários dentro e fora da área de Teatro. Neste momento, o próximo passo que pensa dar é "fazer jus à canção do António Variações" e mudar de vida, o que implica sair do país: "Penso que é a melhor opção".