Helena Teixeira da Silva, in Jornal de Notícias
A prostituição masculina existe no Porto, mas é invisível aos olhos das instituições. Os projectos que apoiam quem se prostitui garantem que o número de rapazes "não é significativo". Laxismo ou cegueira?
Nem uma coisa nem outra, defende Alexandra Oliveira, professora de Psicologia da Universidade do Porto, a terminar a tese de doutoramento sobre o fenómeno da prostituição de rua na Baixa da cidade. "Os vários projectos que existem desempenham um trabalho importantíssimo na área da prevenção de infecções transmitidas pelo HIV e das Infecções Sexualmente Transmissíveis, mas estão muito concentrados na questão da saúde", critica. Na opinião da docente "seria importante conhecer o que está a montante da situação de cada utente para encontrar soluções, também, de carácter social". Alexandra Oliveira reconhece, no entanto, que não é fácil sinalizar os rapazes, uma vez que, ao contrário das mulheres, eles não se assumem como prostitutos nem como homossexuais. Nem encaram bem, eles próprios, a actividade - trata-se de favores sexuais que fazem a troco de algum conforto financeiro ou, no caso dos toxicodependentes, para alimentar o consumo da droga". Ou seja, para que o problema seja identificado e quantificado "é necessária uma abordagem diferente daquela que as carrinhas de rua fazem. E é preciso tempo". A sua tese de doutoramento não aborda a questão masculina porque o período de recolha de dados ocorreu em 2005 e 2006. "Nessa altura, os rapazes desapareceram da Baixa, na sequência de uma série de assaltos dos quais foram considerados suspeitos, tendo dado origem a algumas queixas. Mas já voltaram", observa. "O número é inferior ao das mulheres, e mesmo ao dos transsexuais, mas isso não quer dizer que não seja significativo", afirma, ressalvando que a resposta não tem carácter científico, baseando-se na sua "observação directa". O mesmo exercício de observação permite aos taxistas de S. Bento assegurar que "existem cada vez mais rapazes a prostituírem-se para a droga". Nenhum profissional aceitou identificar-se, mas a opinião é consensual: nenhum frequenta a casa de banho da estação com medo de ser assediado ou confundido com os clientes. A realidade não é ignorada pelos seguranças dos Comboios de Portugal. O único que aceitou falar, com o compromisso de não ser identificado, reconheceu que a Baixa é território privilegiado para a prostituição masculina. "O circuito é curto: Vai aqui da estação à rua Sá da Bandeira. Aqui", observa, " há autênticos jogos do gato e do rato: os rapazes levam, ou são levados para a casa de banho pelos clientes - turistas, reformados ou pessoas normalíssimas - e discutem lá o preço. Às vezes, fazem lá o que têm a fazer; outras vezes vão para as pensões".
Qual é a idade dos rapazes? "Se lhes perguntar, respondem sempre o mesmo: 18 anos - mas muitos deles são mais novos" Apesar das evidências, o Padre José Maia, presidente da Fundação Filos, onde está integrado o Arrimo - apoio à toxicodependência a percorrer a cidade há oito anos - garante desconhecer o problema. "Parti sempre do pressuposto de que o dinheiro para a droga vem da arrumação de carros, do pequeno roubo e do pequeno tráfico, até porque os rapazes não dizem o que fazem". Não deveriam os técnicos percepcionar o fenómeno, mesmo que ele não seja verbalizado? O Padre Maia reconhece que sim. "Nunca me foi feita essa abordagem. Não tinha noção de que pudesse existir prostituição nestes moldes." O projecto VAMP, Viatura Móvel de Apoio à Prostituição, que em Outubro completa 10 anos, vive na mesma ignorância. "Não é uma realidade de que tenhamos percepção nas saídas que fazemos", assegura Edite Silva, uma das assistentes. Confrontada com o facto de o fenómeno ser demasiado visível, por exemplo, em S. Bento, a técnica admite que "essa área não é abrangida pelo circuito do projecto".