12.7.08

Vingança deixa Quinta da Fonte entregue à lei do faroeste

Luísa Botinas e Susana Leitão, in Diário de Notícias

Loures. Em menos de 24 horas, a freguesia da Apelação, a seis quilómetros de Loures, entrada de Lisboa, viveu cenas de terror. Luta entre grupos rivais armados fez vários feridos.

Em menos de 24 horas o bairro social da Quinta da Fonte, Loures, foi palco de confrontos armados, comparáveis a imagens de guerra no Iraque ou a filmes de cowboys no Faroeste. Perto de 50 pessoas envolveram-se ontem à hora de almoço numa troca de tiros da qual resultaram duas detenções e uma mulher de 19 anos ferida no sobrolho. Já na noite anterior o bairro fora sobressaltado com disparos. Balanço nove feridos ligeiros, entre eles uma criança de 12 anos. Uns foram pelo seu próprio pé para os hospitais de Santa Maria, S. José, Estefânia e Curry Cabral. Outros, os que a polícia ainda conseguiu identificar no local (quatro homens) foram transportados para aqueles estabelecimentos hospitalares. Várias viaturas particulares estacionadas nas ruas do bairro ficaram também danificadas com o impacto dos projécteis disparados durante o conflito.

De acordo com o comissário Resende da Silva, da PSP de Loures, a polícia foi chamada ao bairro perto das 20.30 para pôr termo a uma desordem na via pública, entre famílias de etnia cigana. No meio da refrega registaram-se ferimentos ligeiros em nove pessoas, uma das quais seria um elemento da comunidade negra, também residente no bairro. O sentimento de vingança não se fez esperar junto dos moradores de origem africana. O facto de o indivíduo ter sido apanhado à margem do conflito, entre elementos da outra comunidade e a tensão latente já conhecida entre ambas foi o suficiente para acender rastilho. Depois foi o que se viu nas imagens transmitidas pela SIC (ver fotos em cima). O grau de violência do episódio e o inusitado número de armas nas mãos dos moradores levam a concluir que a posse de armamento - pistolas automáticas e caçadeiras - é situação banal naquele bairro problemático da periferia de Lisboa.No final dos desacatos da tarde, a PSP que durante a noite mobilizara um carro patrulha e dois carros de piquete (18 homens) para o local, apreendeu cinco armas e deteve dois homens, de 24 e 25 anos. As armas e munições apreendidas eram de calibre variado. Havia dezenas de cartuchos, três espingardas caçadeira e duas pistolas automáticas. À noite a polícia, em comunicado sublinhou que a situação nunca esteve fora do seu controlo. "A PSP repôs a ordem no Bairro da Quinta da Fonte, tendo de imediato cessado os disparos por parte de ambos os grupos", lê-se no documento. No decorrer da operação da tarde foram deslocados para o local meios da Unidade Especial de Polícia.

Apesar de a versão oficial dos acontecimentos apontar no sentido de tudo ter começado na noite de quinta-feira com uma rixa entre famílias de etnia cigana, ontem, elementos pertencentes a este grupo, em declarações à imprensa atribuíam aos africanos a responsabilidade desta primeira desordem no bairro. "Estávamos aqui a fazer a festa do primeiro aniversário de uma criança. De repente eles [os agressores] resolveram acabar com a festa. Vieram lá de baixo, eram aí uns 30, e começaram a disparar sobre nós", contou ao DN José Carlos. O morador, filho de pais ciganos, adiantou ainda que "os 'pretos' vinham com espingardas de canos serrados, revólveres e pistolas.

Disparámos para nos defender". Enquanto José Carlos contava os acontecimentos da noite anterior, chegou à tenda improvisada na rua para a festa de aniversário, uma criança com as calças cheias de sangue: "Está a ver, até na menina atiraram!". "E a polícia, esses são os piores, nem entraram cá dentro, ficaram lá em cima a ver tudo", frisou José Fernandes, um dos mais velhos daquele grupo. "Já viu o que a polícia fez ao rapaz, deu-lhe até não poder mais, mas olhe que nos pretos não bateram", assegurou. E depois do tiroteio, o grupo acompanhou os familiares ao hospital e "quando regressámos tinham-nos limpo as casas. Mais de dez casas foram assaltadas minha senhora.

Levaram-nos tudo, material das feiras, sofás, televisões...", alertou José Carlos. Após os acontecimentos da tarde, o bairro da Quinta da Fonte estava à noite silencioso, quase deserto, sem polícia por perto. Nas ruas não se via praticamente ninguém, apenas um ou outro grupinho de jovens de olhar desconfiado, perante a presença de estranhos. Silêncio absoluto. As portadas das lojas estavam encerradas, nenhum carro de patrulha da polícia se vislumbrava.A PJ na manhã de sexta-feira prosseguiu com as investigações no local da rixa recolhendo no local invólucros das balas usadas. Os detidos serão presentes ao Tribunal Judicial de Loures hoje a fim de serem ouvidos em interrogatório e sujeitos a medidas de coacção.

Com Isaltina Padrão, Kátia Catulo e Susana Salvador