Ana Fernandes, em Roma, in Jornal Público
Acordo quanto à declaração final não está garantido, mas o encontro de Roma conseguiu pôr a agricultura na agenda mundial, com medidas concretas
O suspense até ao fim parece fazer parte do código genético das conferências das Nações Unidas - ontem, a um dia do fim da Cimeira da Alimentação, em Roma, as negociações sobre a declaração final dividiram os países e ameaçaram o acordo final. Os biocombustíveis eram um dos principais pontos de divergência.
Desta conferência, promovida pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), não se esperam grandes decisões. É um ponto de partida para rondas negociais de maior peso, como o encontro do G8 (países mais industrializados) ou a Organização Mundial de Comércio. Mas nem assim se livrou de albergar desentendimentos.
O texto inicial da declaração já foi várias vezes reescrito e ontem voltou a sê-lo. Depois de uma leitura linha a linha em que já ninguém se entendia, os dois secretários do grupo de trabalho reuniram-se para redigir um novo texto. Que tem ainda de receber o acordo dos países.
Um dos principais pontos de impasse são os biocombustíveis. Muitos, desde países a organizações não-governamentais, têm apontado o dedo a estes carburantes alternativos como um dos gatilhos para a alta dos preços dos alimentos. O Instituto de Pesquisa sobre Política Internacional de Alimentação (IFPRI, na sigla inglesa) chega a dizer que foram responsáveis por 30 por cento da inflação.
Uma crítica que Estados Unidos e Brasil se recusam a ver repetida na declaração, embora partam de princípios diferentes. Os EUA fazem etanol a partir de milho, enquanto o Brasil utiliza a cana, conseguindo ganhos de eficiência energética muito superiores aos norte-americanos. E o presidente brasileiro, Lula da Silva, na terça-feira, deixou muito claro que não quer ver-se metido no mesmo saco dos seus vizinhos do Norte. Usou uma imagem clara: tal como o colesterol, há bom e mau etanol. O brasileiro é o bom.
Mas este não é o único ponto de divergência. Outras questões, como o direito à alimentação e, no âmbito deste, a exigência de Cuba em incluir uma crítica à inclusão dos alimentos nas sanções económicas, também dividem os países.
Mas têm sido alcançados vários consensos. O primeiro é a necessidade de voltar a pôr a agricultura na ordem do dia. O sector já foi alvo de diversas promessas, como na Cimeira de Joanesburgo, em 2002, que nunca foram levadas à prática.
Consensual é também a urgência de medidas, a premência das organizações internacionais coordenarem esforços e o enfoque na pequena agricultura.
Iniciativa de emergência
A FAO anunciou um plano de 1100 milhões de euros para apoiar a agricultura dos países mais pobres e ontem, Jacques Diouf, director-geral da FAO, e Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, lançaram uma "iniciativa de emergência" de 11 milhões de euros para fornecer sementes e outros factores de produção para assegurar as campanhas agrícolas de 2008-09.
O Programa Alimentar Mundial conseguiu arrecadar, junto de 31 nações, os 486 milhões de euros que necessitava para responder aos compromissos para este ano. E anunciou ontem que irá distribuir mais de 770 milhões de euros em comida nos 62 países mais afectados pela subida dos preços. O Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola irá transferir 129 milhões de euros para os agricultores pobres e o Banco Mundial criou um sistema de financiamento de 770 milhões de euros para apoiar a produção de alimentos.
O ministro da Agricultura Jaime Silva prometeu, por seu lado, reforçar a cooperação nacional, transferindo conhecimentos. E usar a sua influência junto de Bruxelas para promover a certificação de produtos destes países, como é o caso do camarão de Moçambique.