A.F., in Jornal Público
A distorção do mercado, os agora demonizados biocombustíveis e a urgência de voltar a investir
Subsídios e barreiras
Um dos maiores problemas dos mercados agrícolas mundiais é a sua distorção. No lado dos países ricos, os agricultores têm sido apoiados para garantir que os seus preços são mais baixos do que seriam sem subsídios. Isto provoca uma concorrência desleal em relação a agricultores de outros países que com as mesmas regras do jogo seriam mais competitivos no mercado global que os europeus ou os americanos.
Mesmo sem subsídios, as regras não seriam iguais, contrapõem os produtores europeus, que argumentam com as regras de respeito pela segurança alimentar, ambiente e protecção social a que têm de obedecer, muitas vezes inexistentes nas nações mais pobres. Do lado dos países pobres, há governos que mantêm os preços ao consumidor artificialmente baixos para evitar convulsões sociais mas sem compensar os agricultores, empobrecendo-os.
Finalmente, em várias frentes, há tarifas e barreiras às importações.
A negociação sobre este tão distorcido mercado, conhecida como Ronda de Doha, anda aos tropeções há anos. Os países em desenvolvimento, com destaque para o Brasil, exigem o fim dos subsídios nos países ricos. Estes, por sua vez, exigem que se levantem as barreiras à entrada de produtos industriais e serviços nos países mais pobres. Em Roma, a avaliar pelas partes da declaração final ainda à espera de acordo, a velha discussão continuará.
Biocombustíveis
A produção de combustíveis alternativos feitos a partir de materiais agrícolas, com destaque para o milho, foi crucificada quando estalou a crise. O facto de o maior produtor deste cereal - os EUA - ter desviado parte da sua produção para o bioetanol foi visto como imoral. Neste processo, todos os biocombustíveis foram metidos no mesmo saco. Depois de serem vistos como uma importante solução para contrariar a dependência dos combustíveis, acabaram demonizados como causadores de fome.
Caberá ao Presidente do Brasil, Lula da Silva, tentar, mais uma vez, acalmar os ânimos e explicar que há biocombustíveis e biocombustíveis, explicando que o etanol brasileiro, feito a partir de cana-de-açúcar de forma energeticamente eficiente, não compete com a alimentação.
Mas o grande problema promete permanecer. Os EUA não mostram sinais de inflexão na promoção do etanol a partir do milho e a Europa, agora mais cautelosa, também ainda não descartou esta hipótese. E as barreiras à importação de etanol brasileiro permanecem.
Tecnologia e investigação
Qualquer solução de médio e longo prazo terá de passar por voltar a apostar na investigação agrícola, abandonada em época de abundância. Esta tem sido a grande tónica da FAO, que já calculou que serão necessários 1100 milhões de euros para apoiar culturas em países pobres. Mas pouco deste esforço terá efeito se nos países não existirem infra-estruturas que permitam escoar as produções. Faltam sistemas de armazenagem, redes de comercialização, vias de comunicação, acesso a sementes e fertilizantes. Sem estes meios, os apoios poderão não passar de panaceias.
Uma outra polémica muitas vezes inquina as discussões sobre a tecnologia: os transgénicos, que muitos defendem poder dar resposta em climas e solos adversos, têm muitos críticos, sobretudo na Europa. E este debate está também longe de terminar.