Ana Paula Correia, in Jornal de Notícias
Portugueses acreditaram que os sacrifícios valeriam a pena, mas a um ano de eleições o ânimo já não é igual
No Parlamento, debate-se esta tarde o estado da Nação, mas com a crise económica e financeira a dificultar o quotidiano está a faltar ânimo aos cidadãos para acreditarem nas perspectivas que os políticos têm para apresentar.
A conclusão resulta da conversa que o JN manteve com sociólogos, politólogos e deputados, da maioria e da Oposição, sobre o estado em que se encontra a Nação, a pouco mais de um ano das eleições legislativas.
Numa primeira fase, depois de concederem a maioria absoluta aos socialistas, os portugueses acreditaram. Acreditaram em projectos e, particularmente, que haveria um retorno positivo dos sacrifícios que lhes eram pedidos.
"Há agora um risco muito grande de incompreensão por falta de resultados. A política tem de dar esperança no caminho a seguir, para que os cidadãos voltem a acreditar". Esta opinião de José Manuel Leite Viegas, sociólogo do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa), enquadra-se na preocupação permanente, quase obsessiva, que o primeiro-ministro revela em cada discurso. "Nós temos resultados para apresentar" - é esta a mensagem sempre presente na boca de José Sócrates.
Nesta fase de recessão económica mundial, ao líder da maioria poucos trunfos, porém, poderão restar para reconquistar a esperança do eleitorado, tão necessária à reconquista do poder nas eleições legislativas de 2009.
Ainda na opinião de Leite Viegas, "para conseguir esses resultados de esperança a curto prazo, há o risco de continuarem a ser adiadas as reformas que só se vêem a médio e a longo prazo, como as que deviam ser feitas na Educação e na Justiça. Resta ao poder, se quer manter-se, aguentar o barco sem fazer loucuras".
Mas o que significa, para os protagonistas políticos, "aguentar o barco"?
Na opinião de Vitalino Canas, deputado e porta-voz do PS, para quem o estado da Nação "está melhor do que há três anos", o Governo vai dizer que "somos capazes de ultrapassar mais estas dificuldades, que resultam da crise internacional, porque temos soluções". Assim, será possível, segundo o socialista, recuperar do desânimo que admite existir no país.
É em sentido contrário o discurso que faz a Oposição. Sem querer adiantar nenhum dos argumentos que usará hoje no confronto parlamentar com o primeiro-ministro, Paulo Rangel, novo líder da bancada PSD, apenas quis dizer que considera o estado da Nação "muito preocupante". Adjectivo que Diogo Feio, o líder parlamentar do CDS-PP, usou na forma mais simples: "preocupante". Porque "há uma concentração de poderes no primeiro-ministro" e porque "nada tem sido feito para tornar o país competitivo".
"Muito grave é o estado em que o Governo deixou a Nação", do ponto de vista de Bernardino Soares. O chefe da bancada comunista dá o exemplo das "desigualdades sociais", do aumento do desemprego e da redução do poder de compra dos cidadãos. Argumentos idênticos aos de Luís Fazenda, líder parlamentar do BE, para quem a Nação "está mais pobre e mais desigual".
A linguagem dos políticos é também sinal do estado da Nação. Como diz José Adelino Maltez, professor de Ciência Política do Instituto Superior de Ciência Social e Política, "o pior da crise é do sistema representativo, com canalizações representativas muito enferrujadas e um sistema social de costas voltadas para o Parlamento". E revela pouco optimismo: "A Sócrates falta imaginação e, globalmente, também na Europa, faltam políticos com intuição, os chamados 'animais políticos'. Não prevejo que apareçam tão cedo".
É também um traço carregado que marca o desenho que Manuel Villaverdade Cabral, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, faz do momento que o país atravessa. Prevê, aliás, que "a abstenção será o maior partido" e que "é altamente improvável que José Sócrates consiga renovar a maioria absoluta".
Villaverde Cabral prossegue o retrato negro: "É a incompetência, a corrupção e o tráfico de influências, que caracterizam as elites políticas e económicas, para além do colapso do sistema judicial, que explicam porque razão o investimento estrangeiro sério se mantém a milhas do nosso país".
José Sócrates apresentará esta tarde, no Parlamento, mais medidas do pacote fiscal de combate à crise, como anunciou na semana passada na RTP. Além da dedução com as hipotecas das casas nos três escalões mais baixos do IRS e da redução da taxa de IMI .
S. Bento nada adianta sobre as prometidas novidades, mas há quem defenda, como José Ribeiro Mendes, que o primeiro-ministro "pode fazer uma redistribuição das verbas do Orçamento de Estado (OE)" e quem admita -é o caso de Pedro Adão e Silva - que o Governo dispõe de espaço de manobra e um clima social favorável para reforçar a taxa dos escalões cimeiros do IRS.
Este novo modelo fiscal, que só entraria em vigor em 2009, seria incluído no próximo OE, a apresentar em Outubro, e iria ao encontro do apelo de Cavaco Silva - que denunciou os salários principescos dos gestores públicos - e do banqueiro Fernando Ulrich, que em entrevista ao "Público" advogou a oneração fiscal sobre quem mais tem.
Para Adão e Silva, "nas políticas sociais não há muito a fazer, mas na fiscalidade, um dos instrumentos que o Governo pode usar, é possível reduzir o fosso salarial". Até porque, "a maior parte das desigualdades em Portugal assenta na desigualdade salarial", realça.
Segundo Adão e Silva, não se trata, como sustenta a SEDES, de um pacote de fim de ciclo eleitoral, mas do arranque de um novo ciclo, para os resultados surgirem já em 2009. Esta revolução fiscal iria decerto agradar a Belém e calaria a Esquerda.
Talvez seja uma boa opção, aponta o sociólogo, já que o PS precisa de convencer os 24% de eleitorado que tencionam votar BE ou PCP. Como o défice, alvo eleitoral de 2005, está controlado e o PSD tem agora uma liderança estável, "o PS deve falar à Esquerda e pôr a tónica no combate às desigualdades acumuladas", defende este ex-dirigente socialista.
Para Paulo Pedroso, o Executivo "está a fazer o que pode no actual quadro institucional, mas para diminuir drasticamente as desigualdades e a vulnerabilidade à pobreza terá de repensar o modelo de protecção social, o que implica um novo programa de Governo (para a próxima legislatura) e melhorar a eficácia redistributiva das prestações sociais" .
O ex-ministro do Trabalho refere ainda que, tendo os governos socialistas conseguido a sustentabilidade do sistema, é agora altura de o rever. "Porque já dizem os irlandeses: 'Se fizeres o que sempre fizeste, obterás o que sempre tiveste'", assinala Pedroso ao JN.