Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias
O ritmo da abertura de unidades de saúde familiar (USF) em 2007 foi "inconsistente" e pode estar a gerar utentes de primeira e de segunda, até porque ainda só chegou a 13% dos utentes. A crítica é do Observatório Nacional dos Sistemas de Saúde.
No Relatório de Primavera 2008, o organismo critica nomeadamente o facto de 41% das USF que abriram no ano passado terem-no feito em Dezembro, o que revela a falta de um "trabalho consistente ao longo do ano". E "não é saudável para um bom desenvolvimento da reforma" dos cuidados primários de saúde. Até porque se lhe soma o atraso na reorganização dos centros de saúde em agrupamentos (ACES).
As críticas são bem recebidas pela Missão para os Cuidados primários de Saúde, cujo coordenador é o primeiro a "lamentar que ainda só um milhão e meio de portugueses sejam abrangidos por USF e que só 180 mil utentes tenham ganho médico de família". Luís Pisco afirma, contudo, que se sabia "desde o início que se estaria a criar assimetrias e iniquidades". Porque o processo de criação de USF teve que ser voluntário pela característica de revolução total do sistema que encerra. Mas garante que essas assimetrias são "uma fase do processo".
Admitindo atrasos - "Tivemos que fazer dois decretos-lei novos e isso nunca demora menos de um ano em Portugal" -, Pisco espera que a criação dos agrupamentos de centros de saúde venha "corrigir as assimetrias criadas pelo processo voluntário das USF". Os ACES serão 74 e substituem as 18 sub-regiões de saúde, permitindo uma gestão "mais próxima das pessoas". Um ACES agrupará vários centros de saúde e, à semelhança dos hospitais, disporá de uma direcção clínica. Quanto aos profissionais, juntar-se-ão em "unidades de cuidados de saúde personalizados", à imagem das USF (equipas multiprofissionais com autonomia de gestão e organização), embora sem os respectivos incentivos remuneratórios. A diferença é que as USF propõem objectivos, enquanto as unidades dos ACES terão que cumprir objectivos impostos. "Se as equipas quiserem organizar-se podem depois constituir USF. É o nosso desejo", diz Pisco, que rejeita que o atraso na criação dos ACES se deva às recentes demissões em bloco na Missão. "As administrações Regionais de Saúde é que têm que colocar a reforma no terreno".
O Relatório da Primavera 2008 aponta ainda o risco de fuga de profissionais do público para um sector privado que ganhou qualidade, mas ainda só sobrevive às custas do Estado. Este financia aquele em vez de "investir no sector público". Os investigadores do Observatório consideram que não serão os incentivos aos profissionais que vão mantê-los no sector público e menos ainda as "formas contratuais que pouco a pouco se vão instalando nos hospitais públicos". Defendem antes a contratualização de cuidados de saúde com os profissionais. As listas de espera - com evolução positiva, mas aquém dos objectivos - e a falta de competência e insensibilidade social da antiga equipa ministerial são outros dos assuntos abordados no documento.