8.7.08

SEDES acusa José Sócrates de governar para as eleições

Luciano Alvarez, in Jornal Público

Associação alerta para o "risco maior para o futuro do país" da "suspensão, diluição ou mesmo inversão das reformas já iniciadas"

É mais um documento muito duro para o Governo. A Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) - que em Fevereiro tinha alertado para um "mal-estar difuso" que se "alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional" - vem agora a público, a propósito da discussão do Estado da Nação (quinta-feira, no Parlamento), acusar o executivo de José Sócrates de estar a governar pensando nas eleições de 2009 em vez de na administração do país. Os membros do Conselho Coordenador da SEDES, no primeiro documento emitido desde que Luís Campos e Cunha lidera a associação (assumiu o cargo em Abril), não têm dúvidas em afirmar que a aproximação das eleições (europeias, autárquicas e legislativas) tem tido "consequências claras e visíveis na vida política portuguesa". Essas consequências não são positivas.

Para a SEDES, depois de três anos "de esforços de estabilização orçamental" e de "várias reformas que exigiram coragem política", o executivo começa a recuar.E dá como exemplos a "declaração do fim da crise orçamental"; "a ênfase nos investimentos públicos"; "a cedência à agitação social" e "as recentes baixas de impostos".O novo PSDA associação aponta ainda, numa espécie de aviso a Sócrates, que o contexto social, político e económico "alterou-se substancialmente". No que respeita à política, nota que, no PSD, se pode ter iniciado "um ciclo de estabilidade, condição necessária para a afirmação de uma alternativa". Por outro lado, escreve que os partidos à esquerda do Governo, "em aparente crescendo", competem "pela mobilização dos mais descontentes, sem, contudo, constituírem uma alternativa credível".

Quanto à economia, a SEDES diz que é justo salientar que factores como a crise financeira internacional e a subida dos preços do petróleo ou dos produtos alimentares estão "fora do controlo do Governo".Logo a seguir, lembra que estes factores implicaram "a revisão em baixa das previsões do crescimento de Portugal". Acrescenta ainda que os indicadores de várias instituições independentes e a evolução da bolsa de valores "reflectem bem a deterioração do clima económico, das expectativas e da confiança dos consumidores e investidores": "Desvaneceu-se em poucos meses a percepção de uma recuperação económica lenta, mas segura.
A mudança de expectativas e o espectro da recessão aumentaram a conflitualidade laboral, tornando aparente alguma desorientação por parte do Governo".

A SEDES lança outro aviso ao Governo: "A inversão do ciclo da boa vontade face ao Governo, experimentado na primeira parte do mandato, poderá ser irreversível, a crer nos indicadores disponíveis. Portugal é hoje, segundo dados mais recentes do Eurobarómetro, um dos países com a opinião pública mais pessimista sobre a evolução da economia e a situação financeira das famílias no próximo ano".FragilidadesNo documento divulgado em Fevereiro, a associação dizia que o "mal-estar e a degradação da confiança" conduziriam, "mais cedo ou mais tarde, a uma crise social de contornos difíceis de prever". A SEDES recorda agora estas palavras a propósito do recente bloqueio das estradas pelos camionistas, que consideram "um pequeno exemplo dessa possível crise": "O bloqueio tornou evidentes fragilidades do Estado de que os cidadãos não tinham consciência: a incapacidade de prever, prevenir e reagir perante situações de crise e acções ilegais de alteração da ordem pública".

A conjugação destes factores é considerada pela SEDES como preocupante. A associação recorda mais uma vez que o Governo iniciou um conjunto de reformas "corajosas e indispensáveis (consolidação orçamental; administração pública; sustentabilidade da Segurança Social; reorganização do Serviço Nacional de Saúde; redução dos riscos de pobreza entre os mais idosos; integração dos imigrantes; funcionamento do sistema educativo e leis laborais).Só que, nestas reformas que a SEDES considera indispensáveis, "terá havido, nalguns casos, inabilidade política, confrontação desnecessária e desfasamentos entre as intenções anunciadas e a sua concretização"."É um risco maior para o futuro do país a suspensão, diluição ou mesmo inversão das reformas já iniciadas. Há sinais de expectativas defraudadas de reforma e de passos cruciais a serem sustidos, ou mesmo invertidos, por razões ligadas ao tempo eleitoral que se aproxima", lê-se no documento.

Em jeito de conclusão, a SEDES diz que a evolução económica e a sombra de eleições "são um teste ao Governo e sinceridade com que iniciou reformas cruciais para o país". Mas, se há reformas que foram inciadas em alguns sectores, a associação lembra que há outros onde se viram mexidas "pouco relevantes". E destaca a justiça e a segurança, áreas em que, "para além de ajustamentos pontuais, não houve qualquer programa de reformas claramente assumido pelo Governo".

Os responsáveis da associação dizem ainda que "não deixa de ser verdade" que "exactamente no momento em que o Governo inicia uma aparente suspensão do processo de reformas, a opinião pública parece voltar-se contra ele": "Coincidência ou causalidade, nunca saberemos, mas os sacrifícios feitos por todos não podem, nem devem, ser desperdiçados".