22.9.08

Casa de afectos para começar uma vida nova

Licínia Girão, in Jornal de Notícias
Jovens vítimas de violência ou a precisar de apoio na maternidade têm um porto de abrigo

Ocultar a identidade das vítimas de violência é uma das prioridades da instituição


Poderiam chamar-se todas, simplesmente, Maria. São filhas de silêncios, de terrores e humores que lhes castraram a infância, aniquilaram a juventude e as catapultaram para a idade adulta num precoce corpo de meninas.

Chegam à Casa da Mãe da Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra (OPSDC) vindas das mais diferentes famílias. Credos, raças e classes sociais. Todas. Têm em comum percursos de rejeição familiar, negligência e, na sua esmagadora maioria, foram vítimas de violência doméstica. De agressões físicas, psicológicas e abusos sexuais, em muitos casos foram violadas ou vítimas de incesto. "Violência tão gratuita, quanto desprezível", como a define Carmen Fonseca, a assistente social responsável.

Na década que teve início em 1990, a problemática da violência doméstica ganhou visibilidade. Autoridades e sociedade em geral estavam mais atentas a este flagelo social. Contudo, faltavam respostas.

É em 1996 que a Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, abre a Casa da Mãe, um ano depois de ter criado a Linha SOS Mulher. A linha, com um horário limitado e cujas chamadas tinham de ser pagas por quem ligava, foi entretanto extinta, após surgirem números nacionais gratuitos com atendimento e encaminhamento permanente.

Vocacionada para ajudar comunidades fragilizadas, a OPSDC, dirigida por José Afonso Abrantes de Lima, nasceu em 1960 e começou por formar agentes rurais que tinham por missão ir de aldeia em aldeia ensinar elementos básicos de cozinha, de higiene pessoal e do lar, de costura e de enfermagem. Hoje, a instituição dedica-se, sobretudo, ao acompanhamento de mais de 300 crianças e jovens que frequentam creches, jardins-de-infância e espaços de tempos livres.

Em Maio juntou-se o projecto da Casa da Mãe. Um espaço de afectos com capacidade para acolher 20 utentes, dez mulheres e dez crianças. É um local que Carmen Fonseca diz ser uma "casa de família com muitas famílias". Nele trabalham duas técnicas (uma assistente social e uma psicóloga) e cinco auxiliares. Começou por acolher mulheres vítimas de violência doméstica e acabou a preencher uma lacuna na resposta para as adolescentes grávidas ou já mães, também vítimas de maus tratos.

Em doze anos o sucesso tem sido esmagador. Em 65 mulheres acompanhas ao longo desta dúzia de anos e das 65 crianças que por lá passaram, apenas quatro foram entregues para adopção. Chegam, na sua maioria, com baixa escolaridade, fracos recursos e pouca experiência profissional. É que os casos em que as mulheres têm formação superior ou até uma carreira profissional torna mais fácil arranjar os meios para se libertarem e seguirem em frente sozinhas.

Com a cumplicidade do Tribunal de Família, da Segurança Social, das autoridades policiais, das maternidades, de infantários da rede pública e privada, das escolas e até de empresários de Coimbra, a Casa da Mãe tudo faz para ocultar as identidades das vítimas e dos filhos nas escolas e nos empregos. É a única forma de complicar as intenções dos agressores que tudo fazem para encontrar as mulheres e os filhos e arrastá-los de novo para o caos.

Quando é possível, o agressor também é "trabalhado" com a ajuda dos técnicos do hospital de Sobral Cid. Contudo, ao longo dos anos, têm sido raros os casos em que chega a uma reconciliação. O sucesso desta intervenção é significativo, em particular na aproximação dos homens aos filhos. Já as mulheres, depois de libertas, procuram uma nova vida.