26.9.08

Crise financeira ameaça progresso da luta mundial contra a pobreza

Ana Fernandes, in Jornal Público

A preocupação dos mais ricos com os abalos no sistema financeiro pode secundarizar os compromissos assumidos sobre os Objectivos do Milénio


Os líderes mundiais debateram ontem o apelo do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para mais esforços no combate global contra a pobreza, que a crise financeira está a ameaçar, mas respostas dos países que participam na Assembleia Geral da ONU, que está a decorrer em Nova Iorque, foram divergentes.

"Esta crise financeira ameaça o bem--estar de milhares de milhões de pessoas, mas ameaça sobretudo os mais pobres dos mais pobres", lembrou Moon. Temos de nos mostrar à altura destes desafios, devemos dar uma nova energia à parceria mundial para o desenvolvimento", acrescentou.

Está-se hoje a meio do caminho das metas previstas na luta mundial contra a pobreza. Mas foi precisamente neste meio caminho que o mundo tropeçou na alta dos preços das matérias-primas e na crise financeira. Se muito estava por fazer, a tarefa parece agora ainda mais difícil.

As divergências expostas ontem evidenciaram essas dificuldades. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Bernard Kouchner, disse que era "injusto" falar em objectivos de combate à pobreza, quando os países enfrentam uma crise financeira, refere a Reuters. Já o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, preferiu dar uma resposta positiva ao apelo de Ban Ki-moon. "Esta seria a pior altura para voltarmos as costas", afirmou.

Do lado dos países em desenvolvimento, o Presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon, disse que "os países mais poderosos têm de agir responsavelmente para mitigar as consequências das crises energética, alimentar e financeira".

Avaliação negativa

Em 2000, as nações estabeleceram os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, com metas ambiciosas a cumprir até 2015. À cabeça está a luta contra a pobreza, que todos desejam ver reduzida para metade até essa data. Mas também surgem a igualdade do género, a educação, a saúde ou o ambiente, num desafio que muitos consideraram impossível.

Agora, que se inicia a última metade desse percurso, a avaliação não é muito positiva. Houve passos significativos em alguns países e a meta estabelecida para a pobreza pode até vir a ser atingida. Mas só que apenas nos dados estatísticos. Isto porque muito se conseguiu na Ásia, onde está uma grande fatia da população mundial. Já em África o problema parece eterno.

Mas mesmo onde houve efectiva evolução, crescem agora os receios sobre o impacto das crises que estão a abalar o mundo. Algo que Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, deixou ontem muito claro, lembrando que, apesar dos sinais de abrandamento no primeiro mundo, algumas nações em desenvolvimento conseguiram não só sobreviver como revelaram uma grande dinâmica. "Mas agora estou preocupado que os efeitos desta mais recente crise os comecem seriamente a afectar", disse.

A actual crise financeira veio agravar os estragos já provocados pelo aumento dos preços dos cereais e do petróleo. O que faz recear que a energia necessária para tentar cumprir esta última etapa seja refreada. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon abriu a conferência de balanço dos Objectivos do Milénio com este alerta. Lembrando que é em África que se acumulam os maiores falhanços nesta empreitada, o responsável pediu aos países que não desistissem agora.

Segundo Ban, a luta contra a pobreza pode ser ganha se os países ricos canalizarem 72 mil milhões de dólares (49 mil milhões de euros) por ano. E Gordon Brown, primeiro-ministro britânico, insistiu numa revolução verde em África, para a qual seria necessário investir 10 mil milhões de dólares (6,8 mil milhões de euros).