Clara Viana, in Jornal Público
George diz que "não existem especialistas em cessação tabágica"
Os festivais de Verão em Portugal, que todos os anos mobilizam milhares de jovens, são um dos exemplos retidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a propósito do consumo de álcool entre os mais novos, revelou ontem a alta-comissária da Saúde, Maria do Céu Machado, na apresentação, em Lisboa, de um estudo comparativo dos Custos e carga da doença do tabagismo e alcoolismo em Portugal, onde o tabaco é apontado como o pior dos dois males.
Aquela responsável, que é pediatra, regressara na véspera de Tbilissi, onde decorreu a reunião anual do Comité europeu da OMS. Na atribulada Geórgia foi surpreendida pela referência aos festivais que animam o Verão português. "Falou-se neles porque ali o consumo de álcool ultrapassa em muito o desejado." "O álcool e o tabaco são dois factores de risco que influenciam seriamente a saúde dos portugueses", confirmou António Vaz Carneiro, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e um dos responsáveis pelo estudo.
Realizado no âmbito do fórum Portugal sem Fumo, a investigação, que se baseia em dados de 2005 e foi financiada pela Pfizer, assinala que, das cerca de 108 mil mortes registadas há três anos, 12615 foram atribuíveis ao tabaco (11,7 por cento); nesse ano, devido ao álcool, terão morrido 4050 pessoas (3,8 por cento). "Ou seja, o tabaco matou três vezes mais do que o álcool."
Entre os homens, contudo, a mortalidade associada ao tabaco só ultrapassa a que é provocada pelo álcool a partir dos 40 anos. Até lá, eles são mais vitimados pelos "acidentes de viação" resultantes do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, frisou Miguel Gouveia, professor da Universidade Católica, que liderou a investigação.
"É a partir dos 40 anos que as doenças associadas ao tabaco aparecem em força", alertou Miguel Gouveia, chamando a atenção para outra das conclusões do estudo: mais do que a mortalidade, a grande diferença entre os efeitos dos consumos situa-se nas incapacidades que geram. A carga das que têm origem no tabaco será "8,7 vezes maior" às derivadas do álcool. A principal responsável por este fosso dá pelo nome de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, que, com o passar do tempo, vai impedindo as pessoas de respirar. Em 2005, a percentagem de fumadores estava nos 20,5 por cento e a dos consumidores de álcool rondava os 42 por cento. Entre estes, 7,45 por cento seriam bebedores excessivos (mais de seis copos de vinho por dia). Mas o consumo de tabaco custou 490 milhões de euros em internamentos hospitalares e cuidados ambulatórios, enquanto os custos atribuíveis ao álcool foram de 189 milhões.
O principal objectivo do fórum Portugal sem Fumo é o de conseguir para o combate ao tabagismo as mesmas alegadas facilidades já consagradas à luta contra o alcoolismo. A começar pela existência de um programa nacional de Prevenção e Tratamento do Tabagismo e passando pela comparticipação de medicamentos e tratamentos para a cessação tabágica.
Os portugueses continuam a fazer em privado o que se abstêm de prosseguir em público, constata-se no estudo, que aponta a seguinte contradição: desde que a lei que restringe o consumo do tabaco entrou em vigor, há mais de um ano, o ar nos locais públicos terá melhorado, mas os "serviços pediátricos continuam a tratar elevado número de crianças com patologias respiratórias associadas ao fumo passivo".
O director-geral de Saúde, Francisco George, considerou ontem desnecessária a existência de consultas de cessação tabágica em todos os centros de saúde. Esta medida está contemplada na lei que restringe o consumo do tabaco. "Penso que é um dos erros da lei e que deve ser alterado", defendeu durante a apresentação do estudo
do fórum Portugal sem Fumo. George insistiu que "não existem especialistas em cessação tabágica" e que esta é uma missão de todos os médicos. Para dar uma mão aos eventuais candidatos, o site da Direcção-Geral de Saúde na Internet (www.dgs.pt) tem disponível "um programa-tipo em seis sessões para se deixar de fumar", recordou. Segundo ele, as "consultas de especialidade", com critérios a serem definidos, devem ser restringidas a grandes fumadores, pessoas muito doentes e grávidas.
40%
O consumo de tabaco entre as jovens dos 14 aos 24 anos aumentou 40 por cento entre 1998 e 2005, segundo o estudo