Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Dublin não quer arriscar um novo referendo até Outubro de 2009. A prudência é aceite em muitas capitais: um segundo "não" irlandês mataria de vez o texto
As expectativas de vários países de ver o Tratado de Lisboa em vigor antes das eleições europeias de Junho de 2009 estão definitivamente afastadas: se chegar a ver a luz do dia, o tratado não será aplicado antes de 2010.
Esta situação, já largamente aceite em privado nas instituições europeias devido às dificuldades de ratificação na Irlanda, foi ontem assumida sem rodeios por Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo.
"Penso que o tratado não poderá estar em vigor em Junho", afirmou durante um colóquio no think tank European Policy Center. "Para ser aplicado em Junho de 2009, o tratado teria de estar ratificado por todos os Estados antes do fim de Fevereiro", continuou, considerando esta eventualidade "irrealista". "A minha perspectiva é que o tratado poderá entrar em vigor por volta de 1 de Janeiro de 2010."
Esta posição tem vindo a ganhar terreno entre vários responsáveis europeus, conscientes de que dificilmente a Irlanda poderá ultrapassar num tão curto espaço de tempo as dificuldades causadas pela recusa do tratado no referendo de Junho passado.
De acordo com o entendimento generalizado na UE, a única forma de ultrapassar este bloqueio passa pela realização de um novo referendo na Irlanda susceptível de anular o resultado do primeiro, um cenário que o respectivo Governo ainda não assumiu publicamente para não melindrar a opinião pública.
Diferentes cenários
O primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, deverá, aliás, apresentar aos seus pares, durante a cimeira europeia de 15 e 16 de Outubro, a sua primeira análise do que correu mal no referendo de Junho. Mas, ao contrário do que esperava a actual presidência francesa da União Europeia, a análise de Cowen ainda não incluirá propostas concretas de saída para a crise.
Entre os cenários em estudo, Dublin poderá pedir para sair da política de defesa europeia mediante uma cláusula de isenção, em conjunto com algumas declarações interpretativas do tratado para clarificar que as suas disposições não interferem com a política nacional em matéria de família ou com a sua neutralidade militar, e que as decisões da UE no capítulo da fiscalidade continuarão a ser tomadas por unanimidade.
Uma terceira solução em estudo consiste na alteração das regras para a composição da Comissão Europeia, de modo a garantir que todos os países poderão continuar, como agora, a nomear um dos seus nacionais para Bruxelas. Isto porque, apesar de o Tratado de Lisboa reduzir os comissários para dois terços do número de Estados-membros, esta disposição pode ser alterada por uma decisão unânime dos chefes de Estado ou de governo sem necessitar de nova ratificação do tratado.
O Governo irlandês está, por outro lado, a explorar a possibilidade de limitar o futuro referendo apenas às questões do tratado susceptíveis de afectar a Constituição nacional, procedendo à ratificação do resto do texto por via parlamentar.
Pelo menos a França e a Alemanha têm exercido alguma pressão sobre Dublin para acelerar a realização do referendo, de modo a garantir que as eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 2009 já se realizam com base nas novas regras.
Governos impopulares
Brian Cowen já fez, no entanto, saber que não quer convocar um novo referendo, na melhor das hipóteses, antes de Setembro ou Outubro de 2009.
A sua prudência é largamente aceite em muitas das outras capitais europeias, conscientes de que um referendo precipitado poderá resultar num novo voto negativo que, aí sim, mataria de vez um texto que já é um sucedâneo da Constituição Europeia rejeitada.
Este risco é considerado real no actual contexto de crise económica e financeira, em que os efeitos do abrandamento da actividade nos Estados Unidos conjugados com o colapso do sector imobiliário na Irlanda estão em risco de provocar a primeira recessão dos últimos 25 anos no "tigre celta".
"Tendo em conta a crise económica que atravessamos, a falta de confiança, e o facto de os governos serem cada vez mais impopulares por toda a Europa, organizar um referendo sobre um tratado europeu pode ser uma opção perigosa", reconheceu Jean-Claude Juncker. E acrescentou: "Se eu fosse o primeiro-ministro irlandês, não iria por esse caminho nos próximos meses."