José Augusto Moreira e Carla Marques (Rádio Nova), in Jornal Público
Para Carlos Lage, o Aeroporto Sá Carneiro não pode ser submetido a uma exploração que lhe seja desfavorável e tem que continuar a ser líder no Noroeste peninsular
O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Carlos Lage, que assumiu na semana passada a presidência da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal, garante que são excelentes as relações com o governo galego, mas admite que a regionalização é essencial para dar uma maior amplitude a esse relacionamento.
Enquanto presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) não detém poderes específicos que lhe permitam intervir sobre a realidade da região. Até que ponto isso constitui um entrave à sua acção à frente da comissão?
Quando assumi a presidência da comissão sabia que não dispunha de poderes de carácter regional legitimados pelo voto. Mas desde o dia em que fui convidado pelo senhor primeiro-ministro que deixei claro quais eram as minhas intenções e objectivos. Não me dispunha apenas a desempenhar funções político-administrativas de carácter desconcentrado, mas queria também bater-me pela causa regional e pela emancipação política do Norte do país.
E teve alguma espécie de garantias a esse respeito, uma vez que o líder do PS tinha prometido para a próxima legislatura o avanço do processo de regionalização?
Aquilo que ficou definido do programa eleitoral do PS era que nesta fase haveria uma certa preparação das condições para se realizar depois um grande debate e um referendo sobre a regionalização. Não ficou, nem de perto nem de longe, escrito nem foi alguma vez pronunciado qualquer compromisso no sentido de antes desta legislatura se fazer um referendo sobre as regiões. O que foi garantido foi a criação de uma matriz regional através da desconcentração dos vários serviços da administração central para o quadro das cinco regiões-plano, para que se fosse preparando o caminho para que a seguir os portugueses se possam pronunciar em referendo sobre a regionalização. Entendo que o referendo regional deve fazer-se após o próximo acto eleitoral.
Acaba de assumir a presidência da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal, mas o facto de estar a lidar com um parceiro como a Junta da Galiza, que tem poderes próprio e está legitimada pelo voto, não acaba por remeter a CCDR-N para uma posição subalterna?
É por isso que é muito importante que a regionalização se faça o mais cedo possível. Quer por questões de natureza interna, visto que a região Norte precisa de uma democracia regional, de se emancipar politicamente e ter um centro de decisão política legitimado pelo voto, para poder definir e aplicar políticas de desenvolvimento geradas na própria região e no quadro nacional. Essa é a questão decisiva. Naturalmente que, com esse governo regional eleito - ou junta regional, como diz a nossa Constituição a funcionar -, há uma maior latitude de decisão e de relacionamento com a Galiza. A verdade, no entanto, é que da experiência que colhi não notei até à data que houvesse qualquer atitude de arrogância ou de ascendência e não tenho qualquer complexo de inferioridade nas relações que mantenho com a Junta da Galiza que, devo realça-lo, são excelentes e se têm pautado por uma grande fraternidade e lealdade.
Foi avançado o propósito de fazer afirmar a euro-região como terceiro pólo da Península, como é que isso vai ser possível?
Esse terceiro pólo já existe em estado potencial, não existe em acto. Somando a população da Galiza e da região Norte e o produto de ambas as regiões, temos cerca de 6,5 milhões de habitantes e um PIB de 90 milhões de euros. É certo também que não se trata apenas de aritmética, existe também uma consciência de proximidade de fraternidade e interpenetração de interesses e este é o terreno propício para que, com base nesse grande potencial e no facto de estes dois territórios se situarem na faixa ocidental da península, isso seja valorizado e aproveitado em benefício
das duas regiões, mas seja também jogado nos grandes debates que hoje se fazem sobre a evolução da Península Ibérica e do território europeu e mesmo na competição internacional. Vamos a casos concretos, por exemplo o emprego. Aquilo que se passa hoje neste campo é a criação de uma espécie de pequeno mercado de trabalho Norte-Galiza.
É evidente que estas coisas não se fazem por decreto. É resultado das dinâmicas sociais e empresariais e dos grandes progressos a que temos assistido no campo da mobilidade. É isto que está a fazer com que entre ambas as regiões se vá estabelecendo um verdadeiro mercado, não só de bens materiais mas também
de bens culturais e no mercado de trabalho.
Lage garante nunca ter notado qualquer atitude de arrogância por parte da Junta liderada por Emílio Perez Touriño
Não deveria haver já decisões sobre o Metro do Porto?
O importante é definir se queremos que haja uma espécie de anel interno. Essa é a grande questão e eu sou favorável a que haja esse anel que ligue as várias linhas. É como termos os dedos mas não termos a concha da mão para os ligar. Mas isso implica investimentos e financiamentos. Aquilo que falta agora é a questão da estrutura financeira e da concessão da segunda fase. Há, portanto, questões de natureza técnica que estão a ser estudadas e não há qualquer vontade de travar a expansão do metro do Porto, até porque todos sabem que é um caso de sucesso em termos de mobilidade, com vantagens ambientais e energéticas.
Aeroporto deve ser gerido numa lógica de autonomia
Um dos grandes objectivos fixados pela Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal é a estruturação das acessibilidades rodoviárias, portos e aeroportos. Esta é uma questão muito sensível face à actual discussão sobre a gestão do Aeroporto Sá Carneiro (ASC), sobre a qual ainda nada se ouviu por parte da CCRD-N...
A comissão, como é sabido, não tem competências nessa matéria. O Aeroporto Sá Carneiro é hoje o grande aeroporto do Noroeste peninsular e será sempre necessário que seja gerido numa lógica própria de um grande aeroporto nacional e internacional e nunca seja submetido nem à lógica de um aeroporto internacional português nem à lógica dos aeroportos galegos. E este é provavelmente um dos prontos que provocará maior desconforto entre os nossos amigos galegos, que têm vários aeroportos, mas secundários em relação ao nosso. E este é um trunfo extraordinário para a região.
E não corremos o risco de o perder, investindo os galegos nas valorização dos seus aeroportos enquanto companhias como a Ryanair ameaçam sair do Porto face à indefinição?
Esse risco não parece existir assim como não haverá um risco de definhamento que ameace o Francisco Sá Carneiro. Aquilo que eu disse e repito é que o aeroporto do Porto deve ser submetido a uma lógica de crescimento, de autonomia, competitividade e de exploração própria. Jamais a qualquer lógica externa, porque tem todas as condições para se desenvolver como um grande aeroporto, não só como o grande aeroporto do Noroeste peninsular mas como um dos aeroportos médios europeus com maiores condições e sucesso.
Mas o certo é que falta a decisão sobre esse modelo e o caso da Raynair não deveria preocupar?
O estatuto que ainda gere o Sá Carneiro é conhecido. Mas existe hoje uma reflexão e um debate à volta dessa questão e estou certo de que futuramente teremos uma clarificação do poder central, do Governo, sobre essa matéria.
E tem havido conversas com o Governo sobre a questão?
Essa questão está a ser estudada e sobre isso não me vou pronunciar. Agora, há uma coisa que recuso, que seria condenável e lesiva dos interesses e direitos da região Norte, que era submeter o aeroporto a uma exploração que lhe fosse desfavorável.
Voltando ao TGV, está já definida a questão da ligação à nova linha em Braga?
Sim, o que vai implicar a construção de uma nova estação. A ideia inicial era que pudesse ficar a actual estação, mas isso não foi possível, pelo que ficará um pouco antes mas com fórmulas de vai-e-vem para ligação à actual estação no centro da cidade.
E que garantias há de que será depois executado o troço de alta velocidade entre o Porto e Braga?
Todas. Em primeiro lugar, porque a secção internacional - entre Ponte de Lima e Vigo - recebe um financiamento muito significativo da rede europeia de transportes. E está também tomada a decisão, por parte do Governo português, de ligação à rede espanhola em alta velocidade. O projecto implica uma linha completamente nova entre o Porto e Vigo, com passagem pelo aeroporto. O canal que está a ser reservado tem esse significado. Agora a questão que se coloca é como se fará a ligação entre o centro do Porto e o aeroporto.
"O aeroporto do Porto deve ser submetido a uma lógica de crescimento, de autonomia, de competividade", diz Carlos Lage.