António Marujo, in Jornal Público
A presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), Manuela Silva, defendeu ontem em Fátima, no Congresso da Pastoral Social, a criação de uma "provedoria de direitos dos pobres", que deveria ser "a voz dos pobres junto dos poderes públicos".
Na sua intervenção, Manuela Silva defendeu também a criação de "mecanismos estatais e autárquicos de prevenção e erradicação da pobreza". A presidente da CNJP, instituição da Igreja Católica para as questões sociais, referiu a petição dinamizada pela comissão a pedir a declaração, pelo Parlamento, da pobreza como violação de direitos humanos. Em Julho, a Assembleia da República votou favoravelmente essa declaração.
Na mesma sessão, o presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca, afirmou que a a pobreza não deve ser considerada "uma fatalidade" e que para a sua erradicação "basta haver vontade política e ética". Eugénio Fonseca afirmou que a Igreja Católica deve ser a primeira a fazer uma opção preferencial pelos mais pobres. "Também a Igreja não pode, quando estabelece as suas prioridades, deixar de partilhar mais os seus recursos materiais com os que menos têm", disse. Sobre o papel da Igreja, vincou a necessidade de alterar as estruturas da pastoral social católica. "É preciso passar de uma acção fragmentada que vê no pobre um sujeito passivo", acrescentou. Referiu-se ainda ao socorro das necessidades imediatas e à assistência. Ela é "necessária, mas não pode ser o fim da acção social da Igreja", afirmou.
Antes se deve procurar a "autonomização das pessoas". E apelou também a que os católicos se organizem de modo a que o trabalho de apoio social deixe de ser feito por grupos restritos da Igreja e abranja "toda a comunidade cristã". A mesma responsabilidade dos cristãos foi sublinhada pelo presidente da Cáritas na questão da erradicação da pobreza: "Tal como para os políticos é necessária a vontade, para nós, cristãos, é necessária fidelidade" a Deus e a identificação com os mais pobres, acrescentou. O combate à pobreza e a pastoral social da Igreja não podem ser entendidos como "mera acção supletiva para responder a necessidades que não estão cobertas pela sociedade, mas sim um elemento constitutivo da própria Igreja", sublinhou.
Fazendo o balanço do congresso, o presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, Carlos Azevedo, afirmou que a acção da Igreja contra a pobreza não deve ser uma questão de quantidade, "mas sobretudo de qualidade". "Não é a quantidade do auxílio aos pobres que estará em jogo em primeiro lugar, mas a nossa capacidade de ter um novo olhar sobre estas situações", referiu. O terrorismo "é também efeito da pobreza", disse, por sua vez, ontem, em Fátima, o cardeal Renato Raffaele Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, do Vaticano. Durante uma conferência de imprensa à margem do congresso, o cardeal disse que, "onde nasce terrorismo, há pobreza". "O terrorismo leva à pobreza e a pobreza leva o terrorismo", reforçou.
Observador do Vaticano nas Nações Unidas entre 1986 e 2002, o cardeal estava em Nova Iorque quando se deram os atentados de 11 de Setembro. E recordou vários problemas graves do mundo: "Há 800 milhões de pessoas que vão dormir todos os dias com o estômago vazio. Outra pobreza é o analfabetismo: 250 milhões de crianças que não estão alfabetizados. E há novas pobrezas, no mundo desenvolvido, como a solidão."