11.9.08

Nações Unidas alertam que as metas do desenvolvimento global estão ameaçadas

Dulce Furtado, in Jornal Público

Os progressos conseguidos podem perder-se com a subida dos preços e o abrandamento económico, exigindo à comunidade internacional pronto cumprimento da ajuda prometida

Os progressos "significativos e sustentados" da comunidade internacional no combate à pobreza extrema estão a ficar comprometidos pela dramática subida dos preços, em particular dos alimentos e do petróleo, e pelo generalizado abrandamento económico global. O cenário é de "séria ameaça", pondo em risco o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Milénio (ODM), alerta um relatório a ser hoje apresentado pelas Nações Unidas a que o PÚBLICO teve acesso.

O documento, Millennium Development Goals Report 2008, nota que aqueles factores, potenciados pelas alterações climáticas, poderão lançar muitas pessoas na pobreza, especialmente na África subsariana e no Sul da Ásia - regiões, de resto, onde já se verificam as mais elevadas taxas de pessoas a viverem com menos de um dólar por dia. As estimativas mais recentes do Banco Mundial sobre a pobreza indicam que 1,4 mil milhões de pessoas vivem em pobreza extrema (menos 400 milhões do que em 1990).

Os ODM fixam a baixa dessa fasquia para os 900 milhões até 2015, tendo o programa registado avanços em algumas das metas fixadas há oito anos: as taxas de escolarização no ensino primário alcançaram os 90 por cento e regista-se uma quase total paridade entre raparigas e rapazes (95 por cento) em seis de dez regiões do mundo; a morte de crianças por sarampo reduziu em um terço; mais de 1,5 mil milhões de pessoas passaram a ter acesso a água potável.

"Fizemos progressos importantes nos oito objectivos, mas estamos aquém do cumprimento dos nossos compromissos", avalia o secretário--geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, na introdução do documento.

Doadores em faltaO relatório sustenta que continua a ser viável alcançar os objectivos até 2015, mas sublinha que tal exige "estratégias sólidas e vontade política, incluindo maior compromisso financeiro" - a prestação de mais ajuda pelos países desenvolvidos como prometido nos últimos anos.Já na semana passada, de resto, as Nações Unidas fizeram soar o alarme, dando conta que os fluxos de ajuda internacional têm vindo a diminuir nos anos recentes, depois de um pico de 107 mil milhões de dólares em 2005: a baixa foi de 4,7 por cento em 2006 e de mais 8,4 por cento no ano passado. Dos 50 mil milhões prometidos pelos países do G8 na cimeira de Gleneagles, na Escócia, em 2005 - o "Ano de África" - ainda faltam 31,4 mil milhões.

"O cumprimento dos compromissos assumidos pelos estados-membros tem sido deficiente e fora de prazo", avaliou Ban Ki-moon. Para colmatar estas falhas, os países mais ricos têm de aumentar a ajuda para 18 mil milhões de dólares por ano - 7,3 mil milhões dos quais para África - desde já e até 2010, data definida pelos doadores do G8 na Escócia, sob risco de não se cumprir o propósito de diminuir a taxa de pobreza para metade. "Já vamos na segunda metade da nossa luta contra a pobreza. Estamos a ficar sem tempo", avisou o secretário-geral das Nações Unidas.No total, a ajuda prestada pelas nações ricas foi de 0,28 por cento da soma dos seus produtos internos brutos, muito abaixo da marca de 0,7 por cento definida pela ONU.

Ponto de viragemCom o propósito de relançar as iniciativas de ajuda internacional, o secretário-geral das Nações Unidas convidou mais de 100 chefes de Estado e de Governo para uma cimeira em Nova Iorque a 25 de Setembro, a primeira com esta expressão global a alto nível desde que os ODM foram definidos em 2000, na qual serão abordados em conjunto os três eixos - pobreza, subida dos preços dos alimentos e petróleo e alterações climáticas - interligados pelo relatório de "meio do caminho" da ONU.

Destes líderes mundiais, aos quais se juntarão dirigentes do sector privado, de fundações e organizações da sociedade civil, espera Ban Ki-moon o anúncio de novas iniciativas e o alargamento de alianças "para fazer face aos problemas de saúde, pobreza, alimentação e alterações climáticas".

O novo presidente da Assembleia Geral da ONU, Miguel d'Escoto Brockmann, de resto, elegeu as acções relacionadas com a crise alimentar como tema principal da nova sessão daquele organismo, que arranca a 16 de Setembro.

Para este mesmo mês, três dias antes da cimeira "de ponto de viragem" convocada por Ban Ki-moon, a assembleia das Nações Unidas reúne-se ao mais alto nível para discutir as necessidades de desenvolvimento específicas do continente africano, região que enfrenta graves dificuldades ambientais, na agricultura e de redução da pobreza.

100 chefes de Estado e de Governo reúnem-se a 25 de Setembro, em Nova Iorque, na primeira grande cimeira sobre os ODM desde 2000