11.9.08

ME diz que há 55 mil alunos com necessidades especiais

Natália Faria, in Jornal Público

Sindicatos acusam ministério de excluir milhares de crianças do ensino especial, mas ministra contradita as estimativas apontadas

O arranque do ano lectivo ameaça ficar marcado por uma "guerra de números" relativa aos alunos com necessidades educativas especiais: são "entre 100 e 150 mil", segundo o coordenador da área de educação especial da Universidade do Minho (UM), Miranda Correia; não passam de 55 mil, segundo as contas da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que, ontem, na passagem por duas escolas do Porto, garantiu que todas aquelas crianças estão "sinalizadas, acompanhadas e integradas em escolas e turmas".

Para a ministra, falar-se em 100 mil alunos "é um absurdo", porquanto se trata de "um número atirado para o ar sem nenhuma relação com a realidade". Porém, o professor catedrático da UM, citado pela agência noticiosa Lusa, insistiu que os números do ministério redundam numa taxa de 1,8 por cento, "número totalmente abaixo dos estudos internacionais" que apontam para taxas entre os oito e os 12 cento de alunos com dificuldades de aprendizagem. Miranda Correia diz que o ministério deixou de fora crianças com dislexia, um dos vários exemplos que poderão ajudar a explicar a discrepância dos números. Na base desta polémica está a reforma da educação especial, definida no Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que, numa lógica de escola inclusiva, prevê a integração gradual das crianças com necessidades educativas especiais no ensino regular e a consequente transformação das instituições de educação especial em centros de recursos materiais e humanos.

A transformação deverá ficar completa até 2013. Mas as críticas já se fazem sentir em várias frentes. A primeira a manifestar-se foi a Federação Nacional de Professores que entregou no Parlamento uma petição com 14 mil assinaturas contestando, entre outros aspectos, o facto de o novo decreto prever o recurso à Classificação Internacional de Funcionalidade (a chamada CIF) para avaliar as necessidades educativas das crianças portadoras de deficiência. É um instrumento desadequado, no entender da Fenprof, para quem o novo método de avaliação excluiu perto de 60 por cento das crianças com necessidades educativas especiais.

Noutra frente, as organizações que trabalham com estas crianças acusaram o ministério de não ter disponibilizado as verbas necessárias para implementar as mudanças previstas na lei. "Os apoios aos projectos de cooperação que foram dados pelo Ministério da Educação não cobrem os custos associados", denunciou ao PÚBLICO Rogério Cação, da Federação Nacional das Cooperativas de Solidariedade Social, referindo-se, nomeadamente, ao facto de os técnicos que transitam das instituições de educação especial para as escolas regulares não verem cobertos os custos com as deslocações.

"Os apoios do ministério foram minimalistas e isso terá um impacto muito negativo", acrescentou Cação, lamentando que o pedido de audiência endereçado há vários dias ao secretário de Estado da Educação continue sem resposta. Confrontada com estas queixas, a ministra considerou-as como "pura precipitação", até porque "o ano lectivo ainda não começou". E preferiu enfatizar o esforço que o ME está a fazer nesta "área tão sensível".

Exemplos: os 700 auxiliares do ME que ontem começaram a receber formação para integrar as equipas do ensino especial, por um lado, e a criação nas universidades de cursos de ensino especializado, nomeadamente em língua gestual e no ensino de cegos, por outro. Preocupada em dar "uma palavra de tranquilidade" aos pais das crianças com necessidades educativas especiais, a ministra deixou uma garantia: "O nosso objectivo é apoiar melhor e fazer mais por estas crianças, não negociamos nem regateamos apoios para estas áreas e responderemos prontamente sempre que identificarmos qualquer necessidade".

60%
É a percentagem de alunos com necessidades educativas especiais que, segundo a Fenprof, ficam de fora.