13.9.08

CNJP alerta para a pobreza entre os trabalhadores

in Agência Ecclesia

Entender as causas da pobreza


Um correcto entendimento acerca das causas da pobreza é condição necessária para definir as políticas destinadas a combatê-la eficazmente.

A percepção que as sociedades têm acerca desta questão reflecte, muitas vezes, os seus preconceitos: é entre nós a ideia de que entrar no mercado de trabalho, «arranjar» um emprego, ou, mais recentemente, «criar o seu próprio emprego», permite, por si só, sair da pobreza. Pobreza e preguiça aparecem na opinião pública – com demasiada frequência – associadas. É o que demonstram inquéritos à opinião pública efectuados na União Europeia (Eurobarómetro 2006).

É inegável que a falta de trabalho origina um conjunto de problemas muito graves, tanto para os desempregados como para as suas famílias, os quais ultrapassam os que se prendem com a falta de rendimentos. Mas será que o trabalho é suficiente para sair da pobreza?

A maioria dos pobres trabalha

A recente publicação de um estudo efectuado por uma equipa de investigadores do CESIS-Centro de Estudos para a Intervenção Social (Alfredo Bruto da Costa, coord., Isabel Baptista, Pedro Perista e Paula Carrilho - Ed. Gradiva, 2008) oferece-nos um quadro bem esclarecedor acerca da composição da população pobre.

Partindo de dados estatísticos de 2004, complementados com um Inquérito Directo do INE aos agregados pobres, lançado em 2006, constata-se que a esmagadora maioria dos pobres (80%) trabalha efectivamente. Encontram-se aí os trabalhadores, por conta de outrem ou por conta própria, os reformados e os/as domésticos/as. Um outro aspecto evidenciado neste estudo é que quase um terço dos trabalhadores por conta de outrem são pobres, ainda que, como seria de esperar, a sua vulnerabilidade à pobreza seja inferior à média nacional (menos 13 pontos percentuais). Já os trabalhadores por conta própria, tendo menor representação no conjunto dos pobres (18%), são muito mais fortemente atingidos pela pobreza (57,4% são pobres, admitindo-se que lhes estejam associadas actividades de elevada precariedade).

Os desempregados representam uma pequena parcela do total (4,7%), menos do que os pobres na situação de educação ou formação, sendo de admitir, no entanto, que esta última categoria esconda algum desemprego. O aumento da taxa de desemprego fez contudo subir aquela percentagem para 10%, em 2006. Contudo, deve sublinhar-se que a incidência da pobreza é para eles particularmente penalizadora, já que mais de metade (53,9%) dos desempregados eram pobres, de acordo com o estudo que se tem vindo a referir (31%, segundo os dados do INE de 2006).

Por outro lado, mais de metade dos reformados eram pobres (23%, em 2006), sem que tenha sido possível medir até que ponto o complemento solidário para idosos, entretanto criado, terá impacto nesta situação.

Confirma-se assim que a pobreza em Portugal atinge fortemente a sua população trabalhadora, já que nem todo o trabalho assegura as condições mínimas de uma certa independência económica.

As políticas de combate à pobreza e a defesa do valor do trabalho

As reduzidas pensões de reforma, bem como as adversas condições do mundo laboral, desde o baixo nível médio de salários à insegurança associada a certas formas contratuais e às difíceis condições de vida dos desempregados, exigem a mobilização de um vasto conjunto de instrumentos de política pública, muito para além das que encorajam a criação de mais postos de trabalho ou das que procuram atrair mais pessoas para o mercado de trabalho. É importante ter consciência de que a evolução em curso neste mercado tende a aumentar a vulnerabilidade ao risco de pobreza, ao propiciar a multiplicação de formas degradadas de trabalhar.

Importa, por isso, defender o valor do trabalho. Tal como afirma Robert Castel, no jornal Le Monde, de 9 de Julho de 2008, o trabalho é essencial como apoio da identidade da pessoa através dos recursos económicos e dos direitos sociais a que dá acesso. Mas é necessário lembrar que há trabalho e trabalho e que “a instituição de formas degradadas de emprego em nome da exigência de trabalhar custe o que custar e a ganhar seja o que for, tem conduzido também à degradação do estatuto do trabalhador e, finalmente, à degradação da qualidade de cidadão”.

Coordenação entre política económica e política social

O deficit fundamental a eliminar está na falta de articulação entre as políticas económicas e as políticas sociais. Carece de ser levado à prática de forma persistente e responsável o princípio de que as reformas económicas e do mercado do trabalho têm de contribuir para reforçar a coesão social, ao mesmo tempo que as políticas sociais devem apoiar o crescimento da economia e do emprego, carece de ser levado à prática de forma persistente e responsável. Proporcionar a partilha equitativa da riqueza e dos rendimentos e criar condições de trabalho digno é um imperativo para toda a sociedade que ambicione um desenvolvimento com bases sólidas.


Isabel Roque de Oliveira
Maria Eduarda Ribeiro
(membros da Comissão Nacional Justiça e Paz)