Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Fuga de capitais provoca quedas nas bolsas e nas divisas dos países asiáticos e do Leste Europeu. Uma recessão mundial está mais próxima
Há cada vez menos razões para optimismo em relação à evolução da economia mundial. Agora, até a esperança de que as economias emergentes seriam capazes de ficar imunes à instabilidade financeira e, quem sabe, salvar o resto do Mundo de uma recessão se está a revelar infundada.
Durante os últimos dias, acentuaram-se de forma repentina os sinais de que se está a processar uma fuga de capitais dos mercados emergentes, colocando muitos países perante uma crise cambial grave e condenando-os, em alguns casos, a tomar medidas de política monetária drásticas ou mesmo a ter de pedir a ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Islândia, Ucrânia, Hungria, Paquistão e Bielorrússia já têm ou preparam-se para ter empréstimos acordados com o Fundo. Coreia do Sul, África do Sul, Argentina, Dinamarca, Roménia e os Estados bálticos enfrentam uma queda das suas divisas nos mercados cambiais, problemas severos no sistema financeiro e crescentes riscos de entrada em recessão económica.
Esta proliferação tão rápida dos problemas é mais umas das surpresas da crise financeira mundial. Até há pouco tempo, as economias emergentes eram consideradas como uma fonte de estabilidade numa economia mundial muito instável. Todos reconheciam que ninguém iria escapar ao efeito que o abrandamento das maiores potências mundiais teria nas exportações, mas acreditava-se que o sistema financeiro iria escapar com poucos danos dos problemas nascidos nos EUA e Europa. Por isso, ainda no início deste mês, o FMI colocava estes países a crescerem em média 6,1 por cento durante o próximo ano, garantindo que a variação do PIB mundial chegaria aos três por cento (o valor a partir do qual se define normalmente a ocorrência de uma recessão à escala global).
Moedas sob pressão
Agora, passadas poucas semanas, o cenário já mudou. O clima de insegurança que se vive nos mercados financeiros mundiais está a levar fundos de investimento, bancos e outros investidores a fugirem das bolsas para activos mais seguros e de moedas frágeis para outras consideradas mais seguras. O índice bolsista que agrega os principais mercados emergentes voltou ontem a cair 3,8 por cento, acumulando desde o início do ano uma queda de 63 por cento. E, mais grave, as divisas de países mais pequenos e onde haja a mínima suspeita de dificuldades estão sob forte pressão, fazendo subir a inflação importada e colocando em dificuldades todos os agentes (Estado, empresas ou particulares) que estejam endividados em divisas estrangeiras. A ensombrar o ambiente já difícil que se vive na economia mundial está agora a ameaça de uma repetição da crise asiática e russa do final dos anos 90, com a agravante, para a Europa, de um alastramento rápido aos países do alargamento.
Países pequenos e BRIC
As economias mais ameaçadas são as que têm um défice externo elevado, cujas empresas e bancos se endividaram fortemente no estrangeiro e que não estejam, como Portugal, protegidos pela segurança do euro. É este, por exemplo, o caso de países pequenos e desenvolvidos como a Islândia. A sua divisa afundou-se tornando praticamente impossível aos bancos e ao próprio Estado conseguirem, sem ajuda, fazer face à dívida que têm com o estrangeiro.
É também o exemplo de países membros da União Europeia como a Hungria ou a Roménia. Nos últimos anos, deixaram a sua dívida externa disparar e não reequilibraram as suas contas públicas e agora, em tempo de crise, são penalizados pelo mercado por esses desequilíbrios. E é o caso de países asiáticos como a Coreia do Sul, já a braços com uma situação de pânico no mercado equivalente à crise de 1997.
Os maiores países emergentes - Brasil, Rússia, Índia e China - têm mais condições para resistir à pressão. Mas os problemas avolumam-se. Na Rússia e no Brasil, as bolsas já tiveram de ser suspensas em duas ocasiões, os bancos estão em dificuldades e a saúde das finanças públicas sai prejudicada pela recente descida dos preços das matérias-primas.
Na Índia, a dimensão do país torna a situação menos grave do que a do vizinho Paquistão, mas a divisa já caiu para o mínimo face ao dólar e as medidas tomadas pelo banco central não parecem estar a surtir efeito.
A China, com um excedente comercial confortável e reservas acumuladas que permitem uma boa defesa da sua divisa, é, para já, o país em melhor posição para resistir. No entanto, tem de se preparar para enfrentar a quebra da procura externa para as suas exportações, o colapso da sua bolsa (menos 69 por cento desde o início do ano) e uma preocupante descida dos preços no mercado imobiliário. Ninguém, no actual cenário, pode dizer que escapa à crise.