22.10.08

Orçamento de Estado 2009

Lino Maia, presidente da CNIS, in Agência Ecclesia

Pe. Lino Maia indica que o orçamento é «oportunidade para reflectir sobre o combate à pobreza e à exclusão»


O mundo mergulhou numa preocupante turbulência, com efeitos e fecho ainda não quantificáveis nem previsíveis: depois de uma escalada galopante dos preços de bens essenciais e de combustíveis que a muitos vitimou, estalou uma séria crise financeira que, essa sim, parece ser em espiral dimensionada até à verdadeira globalidade. Repentinamente, uns portugueses esqueceram problemas, como o da insegurança, e outros deixaram de viver “num país de maravilhas”. Todos começaram a falar de uma crise global com termo que todos ignoram.

Elaborar um Orçamento de Estado, nestas circunstâncias, tem as suas dificuldades. Acrescidas, porque se avizinha um ciclo eleitoral.

Nas actuais circunstâncias, um orçamento para um ano será, inevitavelmente, de tendência acentuadamente previsional. O do próximo ano, inequivocamente, até porque é incerta a evolução da crise.

Mas um Orçamento também será sempre um instrumento revelador de orientações políticas e de opções do Governo.

O Orçamento do Estado para 2009, que foi apresentado na Assembleia da República, parece reflectir um pouco de tudo isso. E poderá ter um cunho veladamente eleitoralista.

Normalmente, as crises nem são previsíveis nem, certamente, serão desejáveis. Mas poderão ser tempos favoráveis para que se ouse percorrer novos caminhos, com novas opções, para futuros que acabarão por ser mais promissores.

E, muito embora, as estatísticas, ultimamente publicadas, venham a reflectir alguma diminuição do número de pobres em Portugal, a sensação dominante é a da pouca fiabilidade ou a da insuficiente consistência dessas estatísticas – pelo menos o fosso entre pobres e ricos parece que se agrava.

A actual crise poderia ser a oportunidade para um Orçamento de Estado que reflectisse uma clara opção pelo combate à pobreza e à exclusão. Será?

Quando o Orçamento parece destacar a intensificação de medidas de apoio às famílias e às empresas e uma opção (definitiva?) pelo envolvimento da comunidade no combate a algumas formas de exclusão e no apoio às famílias, às crianças e aos idosos, através das suas instituições, nomeadamente das instituições particulares de solidariedade social, inequivocamente tem aspectos positivos, que devem ser sublinhados e aprofun-dados para que não haja recuo. Positivo é, também, que a actualização salarial dos funcionários públicos, no próximo ano (eleitoral) seja superior à previsível taxa de inflação e que, no meio da crise, se suspenda, por um ano (o eleitoral), a marcha triunfal pela diminuição do deficit.

Mas, em tempo de crise, o Orçamento nem é tão inovador, como poderia e deveria ser, nem vai tão longe, como poderia e deveria ir.

As zonas mais deprimidas do país não são olhadas como se imporia, os bairros sociais continuam à espera de medidas que há muito se impuseram e um sinal de política correctiva dos vencimentos salariais continua adiada (indefinidamente?) quando se insiste numa actualização uniformemente percentual.

Talvez estivessem reunidas algumas condições para enfrentar tais situações e estar-se-ia a dar sinais luminosos para um futuro mais harmónico e justo que não deixariam de contribuir para minorar os efeitos de uma crise que parece que, inevitavelmente, nos acompanhará pelo ano fora e que poderá conhecer significativos agravamentos com o aumento do desemprego e do número dos novos pobres cujo vencimento é previamente “comido” por um endividamento excessivo e inultrapassável. Concretamente, a correcção da tendência para a actualização, uniformemente percentual de vencimento salarial, seria um sinal de que, ao menos entre nós, se reconhece que o fosso entre os poucos que ganham muito e os muitos que ganham pouco se acentua quando e sempre que a justiça e a moralidade são ignoradas.