22.10.08

Com um pulmão deslocado foi diagnosticada uma gripe

A. Rodrigues, in Notícias de Viseu

Médicos foram acusados de não ouvirem convenientemente os doentes, aligeirando as consultas (…). Os resultados acabam por nunca ser bons quando assim se procede, a menos que haja milagres… Os testemunhos deixados em Torredeita, no II Encontro Regional de cidadãos/ãs em risco social, levado a efeito pela Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (REAPN), Organização Não Governamental, foram assustadores.

A cidadã Maria de Lurdes Pais adiantou que ‘os médicos também se enganam (…). A minha irmã sentiu-se mal, tinha falta de ar e foi ao Hospital, onde foi-lhe diagnosticado uma gripe e deram-lhe medicação para a gripe (…), mas afinal tinha um pulmão deslocado e teve de ir para Coimbra para solucionar o problema’. ‘Uma falha médica (…) os médicos devem estar mais alerta (…) ouvir mais o paciente’. A história de Alice Oliveira não é menos dramática (…). Contou que foi ‘operada em Lisboa, só que a operação correu mal (…).

Andei 14 anos sem ver quase nada e quando ia ao hospital da Guarda diziam-me que as vistas já não tinham compostura. Foi então que fui a uma óptica (na Guarda) e o doutor disse que me operava, eu disse que não tinha dinheiro e ele disse que eu pagava quando pudesse (…)’. ‘Fui operada então em Janeiro (há oito anos) ‘. ‘Todos os meses ia lá entregar o dinheiro’. Já ‘não devo nada e, ‘graças a Deus, hoje vejo’. Rosa veio de Santarém. Deficiente motora, denunciou a falta de acessibilidades com que diariamente se depara. ‘É ridículo que isto aconteça no século XXI’, rematou.

Histórias reais
Histórias reais de vida da vida dos pobres, que vivem em casas de bonecas (assim baptizadas por serem demasiado pequenas, contou outra participantes neste Encontro em Viseu). Como estes colhemos muitos outros testemunhos, numa reunião que marcou o início das comemorações do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se celebra amanhã, dia 17. A REAPN reuniu, para o efeito, em três Fóruns Regionais distintos, pessoas que experienciaram situações de pobreza, com o objectivo de lhes dar voz e de promover a discussão em torno das políticas sociais que as afectam. Os fóruns decorreram em simultâneo nas cidades de Guimarães, Viseu e Beja.

Em Viseu estiveram presentes representantes dos distritos de Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Santarém e Viseu. O objectivo foi o de reflectirem sobre a sua situação actual e avaliar a eficácia das políticas nacionais de inclusão. As propostas apresentadas foram muitas. Vejamos, em termos de saúde, o que saiu do fórum de Viseu: ‘aumentar o número de enfermeiros e auxiliares nos serviços de saúde para poderem prestar um melhor apoio aos utentes; integrar psicólogos para acompanharem os utentes enquanto estão internados nos serviços de saúde; ter uma equipa de profissionais (enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais…) que façam a ponte entre os serviços de saúde e a família que ficará com o utente quando este tiver alta/acompanhamento das famílias cuidadoras; profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares…): têm mais formação actualmente, no entanto, é necessário serem mais atenciosos e sensíveis para com os utentes; saberem ouvir os utentes; terem uma maior preparação e também apoio para lidar com casos de saúde mais complicados’.

É preciso responder às questões deixadas
Por este ‘Encontro Regional de Pessoas em Situação de Pobreza’, passaram depoimentos dramáticos, no âmbito da saúde, educação, emprego e protecção social. O objectivo foi promover a ‘discussão em torno das políticas sociais que os afectam, procurando-se auscultar a opinião das pessoas que vivem em situação de pobreza sobre a sua qualidade de vida, e sobre as políticas sociais nacionais existentes que têm como objectivo reduzir as situações de pobreza e exclusão social’. De acordo com dados do INE (Rendimento e Condições de Vida - 2006) 18% da população portuguesa encontrava-se, em 2006, abaixo do limiar da pobreza, ou seja, tinham um rendimento médio mensal por adulto equivalente inferior à de 366 euros (4.386 euros anuais). As crianças vivem com um risco de pobreza superior ao resto da população.

Na abertura dos trabalhos, Arcides Simões, director da Fundação Joaquim dos Santos, à qual pertence a EPT, destacou a preocupação que o organismo desde sempre revelou com vista a ‘irradiar a pobreza’. As valências que logrou implementar, a par da Escola Profissional, são o melhor testemunho que alguma vez poderia ser feito, mau grado as últimas ‘arremetidas’ no ensino, que poderão, a prazo, liquidar este tipo de escolas, onde tanto dinheiro se investiu em equipamento (que agora começou a ser duplicado) para acabar por ser deitado fora… País rico, o nosso, que não sabe o que fazer com tanto recurso…, permita-se-nos o acrescento.

O vice-presidente da REAPN adiantou que a pobreza é mais sentida nas regiões do interior do país, nomeadamente no Norte Transmontano e Centro, onde se verificam ‘situações de pobreza extrema ou muito próxima’. As pessoas têm carências na alimentação e ao nível das habitações.