Pedro Olavo Simões, in Jornal de Notícias
À conversa com... Fernando Nobre, presidente da fundação AMI
Mais notória pelas missões no estrangeiro, a AMI dedica-se de igual modo a combater a exclusão em Portugal. O fundador, Fernando Nobre, fala em novas formas de pobreza.
Paradigma português das organizações humanitárias, em especial devido à acção desenvolvida em cenários de crise um pouco por todo o mundo, a Assistência Médica Internacional (AMI) leva a cabo, até amanhã, o 15.º peditório nacional. Fernando Nobre, o presidente, fala dos desafios que enfrenta a menos visível, mas igualmente importante, faceta da AMI: o combate à exclusão em Portugal.
Peditório em tempo de crise: as organizações humanitárias precisam de mais imaginação para sobreviver?
As contribuições têm diminuído entre 10 e 15%, porque as pessoas têm, prioritariamente, de ver as necessidades básicas satisfeitas. Imaginação é o que a AMI tem tido, em diversas campanhas. Não podemos ficar parados: comparativamente ao ano passado, as solicitações aumentaram 20%.
Nota que os que antes apoiavam passam, agora, a necessitar de apoio?
Sim, temos assistido a uma mudança do paradigma dos nossos utentes. Antes, as pessoas procuravam-nos por estar no desemprego. Hoje, dos que declaram ter dificuldades financeiras, 40% até trabalham, mas têm rendimentos baixos, vínculos precários ou estão multiplamente endividados.
Estamos a assistir à emergência de novas formas de pobreza?
Há uma nova classe de pessoas, que rotulamos de média-média-baixa, que solicitam, sobretudo, alimentos e roupa. Felizmente, estamos num país onde há subsídios. Se 18% da nossa população entram na definição da pobreza, 21% não entram, porque estão cobertos por uma série de subsídios.
Mas é ainda muito visível a mentalidade neoliberal que quer reduzir o Estado à expressão mínima…
Pois, mas esses acabam de ter um desmentido brutal com a crise, porque até no seu país-farol, os EUA, e na Inglaterra, do senhor Reagan e da madame Thatcher, o Estado apercebeu-se de que não pode abdicar da função reguladora e fiscalizadora e, também, de ter uma participação, talvez significativa, em pilares fundamentais. O deus mercado auto-regulado era uma grande conversa.
Os portugueses são generosos, ou viram a cara para o lado?
São generosos. A AMI sempre apostou muito nessa participação cívica da população, e 60% do nosso orçamento vêm, exactamente, das contribuições de particulares e de empresas económicas. Mas já há bancos portugueses a financiar projectos de cariz social sem contrapartidas. Estão a ser muito inteligentes.
Pouca gente saberá que pode atribuir 0,5% dos impostos que paga a instituições como a AMI…
É uma minoria. Se 0,5% abrangessem todas as declarações de IRS, haveria um bolo acessível às instituições na ordem dos 35 milhões de euros. Actualmente, só serão atribuídos 10%. É difícil fazer chegar a mensagem a toda a gente, e esse é um meio extraordinário: as pessoas podem dar 0,5% do seu imposto a uma instituição e alargar a intervenção cívica. E não lhes custa um escudo.
Atendendo às perspectivas negras que traça, prevê formas mais intensas de combate à exclusão em Portugal?
Há duas medidas essenciais. Uma diz respeito aos baixos salários. Seria bom se houvesse alguma indicação ética, um mínimo e um máximo, que fossem de um para vinte, ou até de um para trinta, mas nunca de um para 200. Essa disparidade é obscena e imoral. A segunda é a questão das reformas. Há no nosso país cerca de 300 mil idosos com pensões de 300 e poucos euros. É absurdo vermos pessoas com reformas faraónicas, cumulativas. Acho que tem de haver limites aos desvarios. Estamos todos a ser vítimas dos desvarios e não sabemos como é que isto vai acabar.