23.10.08

Pedidos de ajuda junto de organizações humanitárias têm aumentado

Isabel Leiria, in Jornal Público

Situações de carência afectam cada vez mais classe média, mulheres e jovens


Nos primeiros nove meses deste ano, o número de pedidos de ajuda que chegaram aos vários centros sociais da AMI aumentou 20 por cento em relação a igual período de 2007. "O nível da procura tem aumentado. Mas o que mais preocupa é que há já uma grande percentagem de pessoas que até trabalham mas que não conseguem esticar o orçamento até ao fim do mês e que vêm pedir sobretudo alimentos", descreve Fernando Nobre, presidente da AMI em Portugal.

No dia em que se inicia mais uma campanha de recolha de fundos, Fernando Nobre chama a atenção para as dificuldades acrescidas que estão a ser vividas pelas famílias de classe média/média baixa. Dantes, até ajudavam com donativos. Agora são muitas vezes elas que pedem ajuda, afirma Fernando Nobre.

O presidente da AMI refere vários números que mostram como os orçamentos familiares parecem estar a ficar cada vez mais curtos para fazer face às necessidades básicas, perante o aumento dos juros dos empréstimos e a subida dos alimentos. "Oitenta e sete por cento das pessoas que nos solicitam invocam dificuldades financeiras, mas só 40 por cento estão desempregadas. Ou seja, a maioria até está a trabalhar, mas têm empregos precários, com baixas remunerações e que são insuficientes para fazer face às solicitações."

Outro dado que surpreende Fernando Nobre são os "13 por cento dos sem-abrigo que vivem na rua e em vãos de escada mas que estão empregados". E nesta comunidade há mais sinais de que a situação pode estar a agravar-se, pelo menos junto de pessoas que fugiam habitualmente a este drama. "Antigamente, os sem-abrigo eram esmagadoramente homens. Agora, as mulheres já são uma parte significativa", revela.

Tânia Matos, da Legião da Boa Vontade, organização que presta diferentes tipos de apoio em Lisboa, Porto e Coimbra, confirma o agravamento da situação. "Há um aumento das solicitações, nomeadamente por parte dos que seriam de classe média, e que pedem, sobretudo, alimentos e roupa. Os idosos também estão a aumentar imenso e já há jovens a procurar ajuda. Por estarem desempregados ou por terem insuficiência de rendimentos", descreve Tânia Matos.

Quanto a uma possível subida da comunidade de sem-abrigo, a responsável explica que é difícil quantificar o fenómeno, por se tratar de uma população muito flutuante. Mas diz notar-se uma tendência de aumento entre os idosos, imigrantes ilegais e jovens. Neste último caso, por fenómenos associados ao alcoolismo e toxicodependência, mas também de desemprego e rupturas familiares.

Ao Banco Alimentar contra a Fome, que distribui comida a 240 mil pessoas através de 1600 instituições, os ecos que chegam são os mesmos. "O que nos tem sido dito pelas instituições é que há um número crescente de pessoas a pedir apoio, por várias razões", diz a presidente da organização, Isabel Jonet. "Há uma pobreza mais estrutural, vivida pelos idosos, desempregados de longa duração e famílias com menos qualificações. E há os outros pobres mais conjunturais, cujos problemas decorrem do sobre-endividamento."

O problema é que a situação não tem melhorado nem para uns nem para outros, lamenta Isabel Jonet. No caso dos idosos, foi o aumento dos alimentos - que, a par dos medicamentos, consomem a maior fatia das baixas pensões - que veio complicar as contas. Quanto ao problema do endividamento, Jonet recorda ter alertado para a situação desde o ano passado. Sendo que a evolução mais recente agravou uma situação que, avisa Fernando Nobre, tenderá a piorar. "Não tenho a mínima dúvida de que as dificuldades ainda não atingiram o seu apogeu e que a classe média/média baixa vai ser particularmente afectada."