19.10.08

RSI é eficaz na redução da intensidade da pobreza

Andreia Sanches, in Jornal Público

Forma como são contabilizados os rendimentos das famílias candidatas ao RSI deve ser alterada para garantir que só recebe apoio quem precisa


O Rendimento Social de Inserção (RSI) permite reduzir em 28 por cento a intensidade da pobreza. E tem contribuído para que muitas crianças frequentem a escola. Carlos Farinha Rodrigues, economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, está a fazer um estudo para o Instituto de Segurança Social sobre a eficácia deste "primeiro remédio para os mais pobres entre os pobres".

O investigador explica algumas conclusões preliminares numa altura em que o Parlamento está a promover uma série de audições para avaliar o RSI. Nos últimos meses a medida tem sido muito criticada, sobretudo pelo CDS-PP. Em Portugal, 18 por cento da população está em risco de pobreza.

PÚBLICO - O RSI incentiva as pessoas a trabalhar ou a não trabalhar?

Carlos Farinha Rodrigues - Uma das dificuldades de programas com estas características é que as pessoas recebem subsídios que as podem levar a não procurar emprego, ou a abandonar o que têm. Estou convencido de que os efeitos do RSI como desincentivo ao trabalho são limitados.

Porquê?

Muitas vezes quem diz que quem recebe RSI é porque não quer trabalhar e anda a viver à nossa custa tem um fraco esclarecimento do que está envolvido. Não sabe que o RSI é um direito associado a deveres. E não tem ideia de quanto recebem as pessoas. Estamos a falar de uma prestação que no máximo é de 180 euros por indivíduo (em 2007, o valor médio era de 80, 90 euros por mês), muito menos que o salário mínimo nacional. Estes valores não são um estímulo para que as pessoas deixem de trabalhar ou não procurem trabalho.

Em 1996 nasceu o Rendimento Mínimo Garantido (RMG), depois a designação foi alterada para RSI. Há 11 anos que existe. Quantas pessoas já receberam a prestação, saíram e voltaram?

Não há números exactos. Mas em 2007, por exemplo, houve 30 mil indivíduos que voltaram à medida. São sobretudo famílias que receberam RSI, passaram a ter rendimentos que lhes permitiam abandoná-la, mas isso não foi sustentado no tempo e portanto voltaram.

Qual tem sido o impacto do RSI na redução da taxa de pobreza?

Há alguns mitos à volta do RSI. O principal é que ele vai reduzir a taxa de pobreza, o que é falso. Um exemplo: a linha de pobreza [abaixo da qual se considera que alguém é pobre] corresponde a um rendimento de 370 euros por mês; considere dois indivíduos, um que tem 250 euros por mês e outro que tem zero. Ambos são pobres porque estão abaixo da linha de pobreza, mas é evidente que as condições de vida do segundo são muito piores que as do primeiro.

O que é que acontece com o RSI?

A prestação é de 180 euros, no máximo, por indivíduo. O segundo indivíduo de que falei, se antes tinha zero de rendimento, fica com 180 [enquanto o primeiro fica de fora, porque só tem acesso ao RSI quem tem rendimentos inferiores a 177 euros], continua a ser pobre, a taxa de pobreza do país mantém-se igual, mas as condições de vida deste indivíduo melhoram. Ou seja, ninguém deixa de ser pobre por receber o RSI. O que este permite é reduzir a intensidade da pobreza. Por isso, quando queremos avaliar o RSI não é pelos efeitos que ele tem sobre a taxa de pobreza. É pelos seus efeitos sobre a intensidade da pobreza.

E a que conclusões chegou?

Quer o estudo anterior que fiz sobre o impacto do RMG, que reportava a 2000, quer o que estamos a fazer agora, demonstra que este é um programa extremamente eficaz na redução da intensidade da pobreza.

Essa redução é quantificável?

É. Os resultados preliminares que temos permitem-nos dizer que o RSI resulta numa redução de cerca de 28 por cento na intensidade da pobreza. Antes do RSI tínhamos várias famílias com zero de rendimento, várias com 30, vários com 50... Com o RSI, estas famílias passam a ter até 180 euros por adulto equivalente. A redução da distância que separa o rendimento mediano dos pobres do limiar de pobreza foi de cerca de 28 por cento.

Em todos os países da Europa há instrumentos semelhantes ao RSI. Esse impacto em Portugal é maior ou menor?

Depende. No Sul da Europa os valores são próximos.

Não tirar as pessoas da pobreza, mas encurtar a distância que as separa da linha de pobreza, não é um defeito do RSI, é feitio. Claro que isto levanta um problema: se queremos ter uma política social que assegure uma redução de todas as dimensões da pobreza no longo prazo, não basta o RSI. Ele tem que ser combinado com outras medidas.

E tem sido?

Creio que sim. O RSI é apenas um primeiro remédio para os mais pobres entre os pobres. É por isso que menos de um quarto dos pobres tem acesso a este programa.
E quantos recebem e não são pobres?

Fiz algumas simulações mas não considerei os casos de fraude - os casos de fraude são casos de polícia. Fora esses, o que pode acontecer é algumas famílias terem rendimentos que não são contabilizados quando os técnicos vão avaliar os seus recursos. Por exemplo: uma família que tenha um baixíssimo rendimento monetário pode ter a sua quinta onde produz uma série de bens alimentares e é muito difícil aos técnicos da Segurança Social contabilizar esse rendimento.

Por causa disto, pode haver quem tenha acesso ao programa apesar de não ser pobre. O estudo anterior que fiz apontava para nove por cento, 10 por cento dos beneficiários nessa situação. O que significa que a [avaliação da] condição de recursos do RSI tem algumas fragilidades. É possível melhorar e aumentar a eficiência do programa. Seria importante, por exemplo, ter em consideração todos os rendimentos das famílias, monetários e não monetários.

Mas para além dessas situações... a ideia instalada é esta: as pessoas não declaram tudo o que ganham, são vendedores ambulantes, por exemplo, e não declaram, e os técnicos só avaliam as declarações de IRS...

Há fraude no RSI, como há em todas as transferências sociais. Isto combate-se com vigilância. E o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social tem previsto para este ano cerca de 30 mil inspecções ao RSI. Se essas averiguações forem feitas de forma criteriosa, grande parte dos casos poderá ser apanhada. Mas é evidente que nunca se eliminará a fraude completamente.

177 euros
Só pode candidatar-se ao RSI quem tiver menos de 177 euros por mês para viver, bem como famílias com rendimento per capita inferior a um montante que tem a pensão social por referência. A prestação a receber corresponde à diferença entre os rendimentos do indivíduo e o valor de referência.

344 mil
Número de pessoas abrangidas por famílias que recebem RSI.
"Os valores do RSI não são um estímulo para que as pessoas deixem de trabalhar ou não procurem trabalho"

Há alguns mitos à volta do RSI. O principal é que ele vai reduzir a taxa de pobreza, o que é falso. Um exemplo: a linha de pobreza [abaixo da qual se considera que alguém é pobre] corresponde a um rendimento de 370 euros por mês; considere dois indivíduos, um que tem 250 euros por mês e outro que tem zero. Ambos são pobres porque estão abaixo da linha de pobreza, mas é evidente que as condições de vida do segundo são muito piores que as do primeiro.

O que é que acontece com o RSI? A prestação é de 180 euros, no máximo, por indivíduo. O segundo indivíduo de que falei, se antes tinha zero de rendimento, fica com 180 [enquanto o primeiro fica de fora, porque só tem acesso ao RSI quem tem rendimentos inferiores a 177 euros], continua a ser pobre, a taxa de pobreza do país mantém-se igual, mas as condições de vida deste indivíduo melhoram. Ou seja, ninguém deixa de ser pobre por receber o RSI. O que este permite é reduzir a intensidade da pobreza. Por isso, quando queremos avaliar o RSI não é pelos efeitos que ele tem sobre a taxa de pobreza. É pelos seus efeitos sobre a intensidade da pobreza.
E a que conclusões chegou?

Quer o estudo anterior que fiz sobre o impacto do RMG, que reportava a 2000, quer o que estamos a fazer agora, demonstra que este é um programa extremamente eficaz na redução da intensidade da pobreza.

Essa redução é quantificável?

É. Os resultados preliminares que temos permitem-nos dizer que o RSI resulta numa redução de cerca de 28 por cento na intensidade da pobreza. Antes do RSI tínhamos várias famílias com zero de rendimento, várias com 30, vários com 50... Com o RSI, estas famílias passam a ter até 180 euros por adulto equivalente. A redução da distância que separa o rendimento mediano dos pobres do limiar de pobreza foi de cerca de 28 por cento.

Em todos os países da Europa há instrumentos semelhantes ao RSI. Esse impacto em Portugal é maior ou menor?

Depende. No Sul da Europa os valores são próximos.
Não tirar as pessoas da pobreza, mas encurtar a distância que as separa da linha de pobreza, não é um defeito do RSI, é feitio. Claro que isto levanta um problema: se queremos ter uma política social que assegure uma redução de todas as dimensões da pobreza no longo prazo, não basta o RSI. Ele tem que ser combinado com outras medidas.
E tem sido?

Creio que sim. O RSI é apenas um primeiro remédio para os mais pobres entre os pobres. É por isso que menos de um quarto dos pobres tem acesso a este programa.
E quantos recebem e não são pobres?

Fiz algumas simulações mas não considerei os casos de fraude - os casos de fraude são casos de polícia. Fora esses, o que pode acontecer é algumas famílias terem rendimentos que não são contabilizados quando os técnicos vão avaliar os seus recursos. Por exemplo: uma família que tenha um baixíssimo rendimento monetário pode ter a sua quinta onde produz uma série de bens alimentares e é muito difícil aos técnicos da Segurança Social contabilizar esse rendimento.

Por causa disto, pode haver quem tenha acesso ao programa apesar de não ser pobre. O estudo anterior que fiz apontava para nove por cento, 10 por cento dos beneficiários nessa situação. O que significa que a [avaliação da] condição de recursos do RSI tem algumas fragilidades. É possível melhorar e aumentar a eficiência do programa. Seria importante, por exemplo, ter em consideração todos os rendimentos das famílias, monetários e não monetários.

Mas para além dessas situações... a ideia instalada é esta: as pessoas não declaram tudo o que ganham, são vendedores ambulantes, por exemplo, e não declaram, e os técnicos só avaliam as declarações de IRS...

Há fraude no RSI, como há em todas as transferências sociais. Isto combate-se com vigilância. E o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social tem previsto para este ano cerca de 30 mil inspecções ao RSI. Se essas averiguações forem feitas de forma criteriosa, grande parte dos casos poderá ser apanhada. Mas é evidente que nunca se eliminará a fraude completamente.

Maior fragilidade está na inserção


Ter trabalho já não evita situações de pobreza

Como vê o facto de estar a aumentar o número de trabalhadores pobres que recorrem ao RSI?

Nós temos estado a assistir a uma alteração do perfil da nossa pobreza. Isso reflecte-se no perfil do beneficiário do RSI. Cerca de 13,1 por cento dos indivíduos que trabalham são pobres. Contrariamente ao que acontecia há uns anos, ter um trabalho já não é suficiente para evitar que as pessoas caiam numa situação de pobreza. Isto dá-nos uma indicação do grau de precariedade e de fragilidade de algumas franjas do nosso mercado de trabalho.

Para além da redução da intensidade da pobreza, que outros impactos tem o RSI?

Vários, todos extremamente positivos. Desde logo o efeito que ele tem na participação das crianças na escolas. Praticamente todas as famílias que recebem o RSI são alvo de um controlo exaustivo. A falta das crianças à escola de forma sistemática é motivo para cessação da prestação. Só isto quase que vale o programa.

E que mais?

O trabalho que as assistentes sociais fazem com estas famílias que, muitas vezes, não têm hábitos de trabalho, de gestão familiar... tem havido imensos progressos. E isto leva-nos à questão essencial: o RSI não é um programa de subsídios. É um programa de inserção social com a componente de subsídio.

Mas há muitas famílias que recebem RSI com as quais não foi acordado qualquer programa que preveja medidas de inserção e autonomização.

Temos cerca de 60 por cento das famílias com programas de inserção, este Governo estabeleceu a fasquia dos 90 por cento para este ano... mas penso que é talvez o aspecto mais frágil da execução do programa. É preciso levar mais à frente a articulação entre a componente de inserção social e o subsídio.



177 euros
Só pode candidatar-se ao RSI quem tiver menos de 177 euros por mês para viver, bem como famílias com rendimento per capita inferior a um montante que tem a pensão social por referência. A prestação a receber corresponde à diferença entre os rendimentos do indivíduo e o valor de referência.

344 mil
Número de pessoas abrangidas por famílias que recebem RSI.
"Os valores do RSI não são um estímulo para que as pessoas deixem de trabalhar ou não procurem trabalho"