Pedro Rios, in Jornal Público
Há casas onde chove e em risco de ruína. Conselho liquidatário encontrou muitos casos pendentes e uma "inactividade total"
A casa de banho é uma sanita e um amontoado de madeira podre. Já não tem tecto: o que se vê é o chão do piso de cima, onde, até há uns dois meses, vivia uma pessoa. Quando chove, José Ventura tem que pôr recipientes no chão. Na cozinha, abre-se uma torneira e a água só pinga, sem pressão, tal o estado das canalizações. Nesta divisão, a fachada está em risco de ruína há já alguns anos. Foi um técnico da Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto (FDZHP), senhoria do prédio da Rua Monte dos Judeus, que o disse a José Ventura, filho da senhora de 86 anos, que ali vive, acamada há cinco anos.
Em Março de 2006, José Ventura contactou a FDZHP, à procura de novo alojamento para a mãe. Nunca recebeu resposta. Aliás, desde que a FDZHP comprou o prédio, em 1999, "nunca houve obras". As infiltrações começaram por volta de 2004 e nada foi feito para as travar. Da autarquia obteve resposta, mas pouco animadora. "Disseram-me que tinham 900 e tal prédios para verificar", recorda. As outras dez famílias foram saindo do prédio, um dos maiores da rua da freguesia de Miragaia. A situação de abandono do prédio toma outros contornos na parte não habitada. Nas paredes crescem ervas daninhas. Noutra habitação vive um cão, que as vizinhas alimentam, no meio do lixo.
Este é um dos vários casos que a FDZHP, cuja extinção foi publicada em Diário da República em 20 de Junho, deixou por resolver. A FDZHP iniciou actividade em 1991, criada pelo executivo municial de então, com a missão de articular a reabilitação física e o desenvolvimento social do centro histórico. No passado dia 15 de Setembro, quando tomou posse como presidente do conselho de administração que tem por missão extinguir a instituição, Ana Maria Teixeira não contava com tantos "casos pendentes" a exigir "solução imediata", confessou ao PÚBLICO. Até meados de Outubro, a idosa em causa será transferida para um lar (ou, temporariamente, para um T2), garantiu.
No início deste mês, a administração (mandatada para quatro anos, mas com intenções de "arrumar a casa" mais cedo) definiu três níveis de prioridade para os casos mais urgentes. O objectivo é tê-los todos resolvidos até 30 de Novembro, altura em que a saída dos 26 trabalhadores deve estar consumada (foi-lhes proposta uma compensação de um mês por cada ano de serviço, o mínimo estabelecido por lei). Encontrar os fogos da FDZHP vazios e passíveis de serem habitados para realojar os inquilinos em situação mais urgente é um objectivo. Outra meta é selar e limpar as casas devolutas da FDZHP.
Também por resolver está o caso de um velho edifício na Rua de São Bento da Vitória. Muitos já saíram, mas os que ficaram têm que viver num prédio com claros sinais de degradação. "A minha casa está relativamente boa, mas a do 2.º andar, onde vive uma senhora com 80 anos, está bastante deteriorada", descreve Jorge Fernandes, 62 anos, reformado, que vive ali desde 1982. Na cave há uma fossa, adianta outro inquilino responsável por uma empresa de encadernação que ali funciona."Há momentos em que não posso estar aqui com o cheiro", conta. Já se queixaram à FDZHP, mas não receberam resposta. "Inconcebível", critica Jorge Fernandes. A presidente da admnistração da FDZHP diz que estes inquilinos vão ser realojados, incluindo a empresa de encadernação.
O director distrital da Segurança Social, Luís Cunha, disse ao PÚBLICO que, até há bem pouco tempo, desconhecia os casos mais graves, como o da Rua Monte dos Judeus, que atribui a "incúria ou negligência da fundação". Ana Maria Teixeira também não compreende como é que algumas situações se foram arrastando. "A FDZHP teve um papel muito importante na organização de uma intervenção no centro histórico. Só que o que encontro é uma inactividade total. O porquê não me compete dizer."
Coloca-se a questão de saber o que vai acontecer ao património da FDZHP espalhado pelas quatro freguesias do centro histórico do Porto, após a extinção. Parte poderá ser vendida e outra deverá ser distribuída pelos fundadores (câmara e Segurança Social), revela Ana Maria Teixeira, que exclui qualquer transferência directa para a Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), o actual instrumento para requalificação do centro histórico do município. "A vocação da SRU não é arrendar", recorda a responsável. Ou seja, à Porto Vivo deve caber apenas reabilitar prédios devolutos, se for essa a opção da CMP.
Fonte do gabinete de comunicação da câmara disse ao PÚBLICO que a autarquia não quer prestar declarações sobre o futuro dos prédios. A Segurança Social não os vai reclamar. Luís Cunha admite, porém, que a Segurança Social fique titular dos equipamentos sociais da FDZHP, cuja gestão poderá entregar a instituições particulares de solidariedade social.