in Diário de Notícias
O conceito de limiar da pobreza está hoje convencionado e aplica-se em todo o mundo: situa-se nos 60% da mediana dos rendimentos do país (subtraídas as contribuições sociais, no caso de elas existirem). É, pois, um valor relativo, ligado à capacidade de cada povo produzir riqueza e de a repartir: daí o uso da mediana - o ponto central em toda a escala de rendimentos - e não a média, muito distorcida em países com grande concentração da riqueza acumulada.
No Terceiro Mundo, esse limiar continua em 1 dólar ao dia, o equivalente a 22 euros ao mês. Abaixo disto, ser pobre significa estar em risco de morrer à fome: a FAO diz que estarão 1000 milhões de seres humanos nessa situação.
Na Europa, o limiar de pobreza oscila entre os 230 euros, em países do Leste, e os 890 euros, nos países nórdicos. Em Portugal, situa-se nos 400 euros e, segundo um estudo global, somos um dos países onde o número de pobres mais se reduziu entre 2000 e 2006: passou de 21% para 18%, um decréscimo de 246 mil. Para atingirmos a média europeia de 16% (o equivalente a 78 milhões de pobres numa população próxima dos 500 milhões) há que arrancar desse limiar fatídico mais 170 mil cidadãos. É possível que o mais recente alargamento do número de abrangidos pelo Complemento Solidário para Idosos ( 150 mil) esteja a dar um contributo decisivo para novos ganhos na luta contra a pobreza em Portugal.
Outra coisa bem diversa é o sentimento de empobrecimento relativo de estratos da classe média, apertados por aumentos salariais escassos e por prestações para a casa em subida continuada de há três anos. São as consequências da crise que atinge os bolsos de todos. Mas não são comparáveis.
Baltasar Garzón tem fama de ser um homem que não conhece o medo. E o seu currículo justifica essa aura de coragem. Afinal não foi o juiz espanhol que há dez anos levou à prisão do ditador chileno Augusto Pinochet em Londres? E não é este magistrado que insiste na ilegalização dos partidos pró-ETA, arriscando a ira dos terroristas bascos? Desta vez Garzón decidiu investigar os crimes cometidos pela ditadura fraquista que saiu vencedora da guerra civil espanhola de 1936-1939.
São milhares as vítimas, na sua maioria desconhecidas, mas em alguns casos gente célebre como o escritor Federico Garcia Lorca, cujas ossadas estarão numa vala comum na região de Granada. É um acto legítimo e que tem como virtude mostrar que a democracia espanhola é suficientemente sólida para esquecer os pactos feitos durante a transição - que se seguiu à morte de Franco, em 1975 - e enfrentar o passado recente do país.
É, contudo, uma decisão politicamente arriscada, que pode dividir os espanhóis: Fraga Iribarne, que foi ministro franquista e depois governante da Galiza, veio já classificar de disparate a decisão de Garzón. Classifica-a também de "erro gravíssimo". Outros políticos de direita, como Esperanza Aguirre, que lidera a comunidade de Madrid, também criticaram a ousadia do magistrado. Há quem, porém, prefira dizer coragem.