João Saramago / Manuela Teixeira, in Correio da Manhã
Mil procuram sopa dos pobres
São os que nada têm que recebem apoio do Centro dos Anjos da Santa Casa, local conhecido pelos alfacinhas como Sopa dos Pobres. No último ano, o refeitório foi procurado por 1081 utentes. Em Gaia, é a Associação Nacional de Combate à Pobreza que, no CASA da Sopa dos Pobres, serve 80 refeições diárias aos que mais precisam.
A maioria dos que procuram refeições gratuitas são doentes com problemas mentais ou dependências, principalmente do álcool. Mas há também necessidades entre pessoas sem problemas de saúde, empregadas mas a quem o ordenado não chega para dar o sustento à família. Em Gaia, para fazer face a esta procura crescente, surgiu o ‘Supermercado dos Pobres’.
No centro dos Anjos, em Lisboa, são servidos por dia 285 almoços e 222 jantares, segundo dados de Setembro último. "Entre os que procuram o centro 83% são homens. A ‘idade média’ é de 48 anos; 72% são solteiros, 83% são portugueses, possuem na maioria o 1º ciclo (antiga quarta classe) e 32% não conseguem encontrar um trabalho estável há já vários anos", disse ao CM Julieta Martins, directora da unidade de emergência e apoio à inserção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
"O objectivo desta casa é promover a autonomia e melhorar o bem-estar das pessoas carenciadas, para que no futuro não precisem de recorrer aos nossos serviços", acrescentou Julieta Martins, que sublinha que a maioria das pessoas recorre ao centro dos Anjos por questões de saúde, na sua maioria doença mental ou alcoolismo, depois por quebra de laços familiares e só depois por dificuldades económicas.
MAIORIA ABANDONA A RUA
Recorrer aos serviços do Centro de Apoio Social dos Anjos (CASA) tem regras para que se possa beneficiar de uma forma gratuita de alimentação, balneário, lavandaria, gabinete médico e apoio psicológico. A instituição funciona todos os dias, sendo o acesso possível através de um cartão que é entregue às pessoas carenciadas pelos Serviços de Acção Social da Santa Casa.
António Antunes, director do centro dos Anjos, sublinha que ninguém fica com fome se aparecer sem cartão. No centro de acolhimento nocturno temporário, das 334 pessoas acolhidas desde Agosto de 1999 houve 191 que conseguiram obter autonomia económica. António Antunes acrescenta, contudo, que existem pessoas que frequentam o centro há mais de dez anos. São pessoas que ao longo da vida conseguem obter autonomia graças ao nosso trabalho mas que depois regressam.
Em Gaia, a Associação Nacional de Combate à Pobreza serve 80 refeições diárias no CASA da Sopa dos Pobres e distribui cabazes de mercearia às famílias necessitadas que batem à porta da instituição. Rosa Maganinho, de 65 anos, é o apoio do marido, que sofre de cancro, e do filho, de 35 anos, esquizofrénico e portador de várias doenças infecciosas. Nas contas da casa entram cerca de 700 euros do subsídio do filho e da reforma do marido. Mais de metade vai para a farmácia. Por isso, Rosa vai à instituição levantar os sacos com batatas, leite, arroz e outros alimentos. "É uma grande ajuda porque até já passámos fome", confessou.
Também Dulce Teixeira abastece o frigorífico no ‘Supermercado dos Pobres’. "Levo, sobretudo, iogurtes, sobremesas e outras coisas de mercearia que são muito caras", disse Dulce, separada e com três filhos a estudar. "Trabalho em arranjos de costura mas não chega para as despesas."
PORMENORES
PRATOS
A cozinha dos Anjos possui os mais exigentes padrões de higiene. As refeições obedecem a uma lista de pratos, sendo a feijoada o mais procurado.
APOIO
Os mendigos entregam a sua roupa na lavandaria dos Anjos para esta ser lavada, engomada e cosida quando necessário. Um serviço sem custos.
ROUPA
O Centro dos Anjos dispõe de um banco de roupa onde os mendigos recebem todo o tipo de roupa lavada e engomada, resultante de dádivas de particulares.
SECRETÁRIA DESEMPREGADA (Maria de Jesus Evangelista, 50 anos)
Aos 50 anos, Maria de Jesus Evangelista conta com o apoio do centro dos Anjos. A separação levou-a a não ter outra opção. "Rapidamente surgiram as dificuldades económicas", disse. Desempregada, de nada lhe tem valido a experiência de ter sido secretária administrativa. "Com 50 anos, é muito difícil retomar a minha profissão." Distribuidora de jornais gratuitos na rua, conta que, embora tenha uma filha e um neto, vive sozinha num quarto. "A renda são 200 euros, a Santa Casa ajuda-me com 100 e os outros 100 pago com o que ganho nos jornais. São só três horas por dia, por isso só ganho 200 euros", acrescentou.
VIDA PASSADA NA RUA (Ricardo Baptista, 30 anos)
Ricardo Baptista regressou ao apoio do centro dos Anjos há um mês. "Estive oito meses a trabalhar como restaurador. Trabalhava suspenso, a recuperar tectos, mas agora que pensava que estava a reorganizar a minha vida fui despedido", contou. "Fui ter com a técnica do serviço de emergência, recebi o cartão a 30 de Setembro e voltei." Ex-toxicodependente, conta que toda a vida foi passada na rua. "Sou o exemplo do filho de uma família muito pobre. Nasci em Aveiro mas fui criado no antigo bairro de barracas do Relógio. Vivi sem família e ainda menor já recorria ao centro dos Anjos", disse.
NÚMEROS
4695 pessoas recorreram ao serviço de apoio social da Assistência Médica Internacional nos primeiros seis meses do ano.
74 pessoas beneficiaram do serviço de apoio domiciliário da AMInos primeiros seis meses. Destes, 93% contam mais de 70 anos.
1187 sem-abrigo foram identificados pelos Serviços de Acção Social da Câmara de Lisboa, num estudo publicado em Maio último. A câmara dispõe de 477 camas para mendigos.
CRESCE APOIO DO ESTADO
O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, garantiu ontem no Congresso da Pobreza, no Porto, que o apoio do Estado a instituições de solidariedade vai crescer 10%, atingindo 1,1 mil milhões de euros. E 73,41 milhões de euros é o aumento estimado no combate à pobreza extrema dos idosos neste ano, que será reforçado em 2009 com mais 87,77 milhões de euros. "O objectivo é atingir a média europeia da taxa de pobreza, que é de 16%", disse Vieira da Silva. Portugal registou em 2006 uma taxa de 18%. No congresso, organizado pela Fundação Filos, foi criado um pacto de acção social que visa promover a solidariedade entre vizinhos.
NOTAS
SOPA: 115 ANOS A AJUDAR
A 8 de Dezembro de 1893 foram fundadas as cozinhas económicas, que em 1920 se transformam na ‘Sopa do Sidónio’. A cozinha dos Anjos é a única hoje existente.
ANJOS: CAMA PARA MENDIGOS
O Centro de Apoio Social dos Anjos dispõe de um centro de acolhimento nocturno temporário, com capacidade para 15 pessoas, que funciona das 18h30 às 09h00.
BARRACAS: FIM EM 2013
O Movimento Esperança Portugal defende que 2013 devia ser "a meta-limite" para o fim das barracas em Portugal. Condição primária para a erradicação da pobreza.
COMPACT: VIVER SEM DINHEIRO
No futuro o centro dos Anjos poderá dar ajuda alimentar a membros do movimento The Compact. Surgiu, em 2005, nos Estados Unidos, sob o lema "Viver sem Dinheiro".
LISBOA: 146 MORREM SÓS
Neste ano morreram 146 pessoas sem família ou amigos em Lisboa. Ontem foi realizada uma missa em sua memória na Igreja de S. Roque, da Misericórdia de Lisboa.
ANCP: A AJUDAR HÁ DEZ ANOS
Empresas, donativos particulares e o Banco Alimentar Contra a Fome financiam a instituição de Gaia, que ajuda as famílias carenciadas e desempregados de longa duração.
MADEIRA: 7600 COM APOIO
Na Madeira, 7600 pessoas usufruem do Rendimento Social de Inserção. Um "apoio que está estabilizado", disse o secretário regional dos Assuntos Sociais, Jardim Ramos.
ÁUSTRIA: PREÇOS BAIXOS
Viena conta com 200 mil pobres. Para isso, a cidade criou os "Vinzimarkt", supermercados para pessoas com menos de 800 euros por mês e onde o preço é 70% mais baixo.
GONDOMAR RECEBE FINAL DE HIP-HOP
As cinco mil pessoas esperadas na final do Hip-Hop Pobreza Stop só devem chegar ao Pavilhão Multiusos de Gondomar por volta das 15h00. Mas metade dos concorrentes começam a lutar pela vitória a meio da manhã, pois os graffiters precisam de mais tempo para elaborar as suas criações.
O rosto da final da iniciativa da Fundação Filos, apoiada pelo CM, RTP – que vai gravar o espectáculo para posterior transmissão – e Antena 3, é Catarina Furtado, que irá apresentar jovens apostados em mostrar o que há de errado no País e no Mundo. Isto além da oportunidade de singrarem na música, como os Dealema, pioneiros do rap, de VN Gaia, a quem cabe a abertura e fecho do concerto.
Terminada a actuação de todos os concorrentes, um júri constituído pelos apresentadores de televisão Sónia Araújo e Álvaro Costa, pelo presidente da Fundação Filos, padre José Maia, e por Luís Amorim, director-adjunto de Marketing de vários títulos da Cofina (incluindo oCM), vai anunciar os vencedores nas categorias de rap e de graffiti. Uns e outros recebem um cheque de 300 euros.
FINALISTAS DO GRAFFITI
Nuno Palhas: "Pobreza".
Adalberto Brito: "Arte e Intervenção Global"
Ricardo Quintela: Sem nome
Rui Vicente: Sem nome
Luís Furtado: Sem nome
Marco Barradas: Sem nome
Diogo Lima: Sem nome
Bruno Moreira, Jorge Almeida, Octávio Rodrigues e Bruno Oliveira: Sem nome
André Cunha: "Quem Massa Não Vê"
João Frazão: Sem nome
Edgar Neves e Cláudio Martins: "Stop Pobreza"
Nuno Costa: "Uma Aventura Pobre"
FINALISTAS DO RAP
Joel Pinto (MC Lógico): "Filhos duma Vida"
Carlos Ferreira (MC Glowa): "Pobreza Não"
Vítor Santos e Nuno Monteiro (Caixa Torácica): "(In)Diferenças"
Rui Peres e Bernardo Ribeiro (Enigma/Chek): "Pretexto"
Hugo Rebelo, David Rodrigues e Bruno Camões (Rokha, Xoye e Vidro): "Não Digas Não"
Michael Ferreira, Eurico Fernandes, João Rodrigues, Jimmy Rocha, Mauro Silva, Thomas Zimmermann (New Age Delinquents): "Indiferença"
Mário Leão (MC Dyze): "Máquina do Tempo"
Ivan Gomes, Hélder Sanches, Luís Moreno e Nuno Gonçalo (Última Frequência): "O que Vais Fazer?"
Celso Guerra, com Paulo Mendes (Sétimo Flow): "Filho Bastardo"
Nélson Ferreira (Nigga MC): "Ignorância"
Márcio Faquinha e Igor Ribeiro (Snipers Gang): "Apenas um Sonho"
Fábio Balsa: "Mundo em que Nasci"