20.11.08

Abrandamento repentino da economia foi uma surpresa

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

O responsável do Banco Central Europeu defende a forma como este reagiu à crise e admite que "pode haver mais cortes de taxas de juro"


O italiano Lorenzo Bini-Smaghi é, tal como Jean-Claude Trichet, um dos seis membros do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE), um órgão com um papel decisivo na definição da política monetária da entidade sedeada em Frankfurt. Duas semanas depois do anúncio de mais um corte de 0,50 pontos nas taxas, explica por que é que, em Julho, o banco ainda subiu os juros e lança um aviso para a actuação futura dos bancos centrais: é preciso "evitar que ao resolver os problemas de hoje se criem os problemas de amanhã".

O BCE começou no último mês a descer taxas de juro de forma agressiva, depois de uma subida em Julho. Não foi tarde de mais para evitar uma recessão?

O abrandamento e a possibilidade de uma recessão é um fenómeno global, que irá acontecer também em países que começaram a baixar taxas de juro há muito tempo. Não se pode estar a pensar se teríamos ou não uma recessão se tivéssemos cortado as taxas de juro mais cedo. Este é um choque que afecta a economia mundial.

Mas não teria ajudado se o BCE tivesse sido mais rápido?

O BCE tem o objectivo de manter a estabilidade de preços e a verdade é que as pressões inflacionistas estiveram a subir durante a primeira metade do ano. Nós definimos a nossa política monetária com base nestas crescentes pressões inflacionistas. A inflação na zona euro tinha subido acima dos quatro por cento, toda a gente estava insatisfeita com isso, as expectativas de inflação estavam a subir. Ninguém esperava um abrandamento abrupto da economia, ninguém esperava o que aconteceu à Lehman Brothers. É muito fácil estar a julgar o que aconteceu ex-post. No momento, as medidas que tomámos eram as apropriadas para podermos retomar o controlo das expectativas de inflação. E a verdade é que a inflação agora está a descer, em parte devido aos preços dos produtos importados, mas também devido ao comportamento da inflação doméstica.

Portanto, é justo que se diga que o BCE foi surpreendido pela forma abrupta como se deu o abrandamento da economia?

Sim, especialmente após a falência do Lehman Brothers, que criou uma restrição abrupta nos mercados financeiros e uma crise de confiança. Os indicadores de confiança dos consumidores e das empresas entraram em colapso a partir de Setembro. Isto foi um desenvolvimento totalmente inesperado no mercado financeiro.

E agora? Jean-Claude Trichet disse que um corte de 0,75 pontos foi discutido na última reunião. Isto quer dizer que vai haver mais cortes?

Temos dito que essa é uma possibilidade. Pode haver mais cortes de taxas, dependendo de quais serão os desenvolvimentos. O que é importante é que a redução das taxas de juro seja completamente reflectida pelo sistema financeiro para os utilizadores finais. E para que isso aconteça é preciso que os bancos levem em conta as nossas decisões e que as implementem. Eles têm sido lentos a fazê-lo e nós não queremos substituir o sistema bancário.

Mas o BCE não pode fazer mais do que apelos verbais para convencer os bancos? Não há medidas concretas que possam ser tomadas?

Já fizemos muito. Estamos a colocar operações de refinanciamento a taxa fixa, agora de 3,25 por cento, enquanto a Euribor a três meses está ligeiramente acima dos quatro por cento. Portanto há oportunidades para arbitragem. Os bancos podem pedir emprestado ao BCE e depois emprestarem no mercado. Há oportunidades claras.

Observaram alguma melhoria desde que o presidente Trichet fez a mensagem aos bancos?

Sim, a Euribor está a descer, de forma lenta: cinco ou seis por cento todos os dias. No último mês baixou cerca de 100 pontos base. Agora, a melhoria registada não é ainda a esperada.

Agora que as taxas de juro estão a descer, até onde é que é seguro ir? Não há o risco de se chegar a um nível em que, como no Japão, se fica sem margem de manobra?

Acho que não corremos o risco de ficar como o Japão. O que deve ser uma preocupação é evitar a situação vivida nas economias ocidentais e em que as taxas de juro ficaram demasiado baixas durante demasiado tempo. É por isso que temos que ter uma orientação de médio prazo na nossa política e olhar para os desenvolvimentos da inflação, não mês a mês, mas para os próximos 18 meses. E aqui o que se projecta é uma redução, mas para níveis próximos de dois por cento. Não estamos a antecipar a ocorrência de um processo de deflação.

Qual o risco de se poder estar a criar novas bolhas para o futuro?

A política monetária tem de ser prudente. Tem de se evitar que, ao resolver os problemas de hoje e ao olhar apenas para as questões financeiras, se criem os problemas de amanhã. Se as taxas de juro ficarem demasiado baixas por demasiado tempo cria--se uma recuperação artificial e uma estabilização dos mercados artificial, que leva à próxima crise.

Foi isso que aconteceu durante a última década?

Foi uma combinação de factores. Certamente que houve uma subavaliação do risco dos bancos, que também esteve ligada ao facto de os empréstimos serem demasiado fáceis e baratos.

Portanto também houve culpa dos bancos centrais?

Se houve culpa dos bancos centrais, o BCE é certamente dos que têm menos. As nossas taxas estiveram mais altas e fomos sempre criticados por não baixarmos mais as taxas de juro. Hoje, alguns dos que pediam descidas das taxas de juro ao BCE dizem agora que deveriam ter sido mais altas. É muito fácil criticar depois de tudo acontecer.

Mas não acha que os bancos centrais devem rever a forma como actuam?

É preciso dar mais atenção ao que se passa nos mercados financeiros e nos mercados de activos. Já há algum tempo que dizemos isto e é por isso que o BCE tem dois pilares: o económico e o monetário. A análise dos bancos centrais tem de levar em conta os desenvolvimentos financeiros e acho que vai ser ainda mais assim no futuro.