Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Tinha 26 anos, uma menina de cinco e um menino de três quando quebrou o ciclo, saiu de casa
Conheceu-o num arraial. Volvidos quatro meses, estava casada. O rapaz "era giro". E Natália queria sair de casa. "Tinha 19 anos. O que é que eu sabia da vida? Não me dava bem com o meu padrasto. Pensava: 'Vou sair daqui, vou casar, vou ter a minha vida!'"
Instalaram-se em casa dos pais dele. Familiares batiam à porta de noite e Natália sacudia-se. Uma noite, não se levantou ao ouvir bater. "Ele levantou-se, esteve na sala até às quinhentas. Quando se foram embora, bateu-me. Disse que a mulher dele tinha de estar presente!"
Nem lhe passou pela cabeça virar costas. "Ia para onde?" A mãe saíra da Terceira e fora fazer radioterapia no Porto. Pensou que o rapaz serenava se fossem viver sozinhos. Foram. Um dia, "atirava tudo pelos ares"; outro, trazia-lhe chocolates. Engravidou à espera de um milagre: "Assim que cheguei do hospital, bateu-me."
Que fazer? "Não trabalhava. Uma separação era uma vergonha." A mãe também estivera "casada com um homem que lhe batia muito".
Com o nascimento da filha, o marido, militar, arranjou um part-time numa discoteca. "Chegava a casa de manhã, voava tudo." Natália tratou de ganhar autonomia: "Pedi para trabalhar." Empregou-se no refeitório do hospital. O chefe de cozinha "engraçou" com ela, puxou por ela, ensinou-a a cozinhar.
"Todos os dias levava"
Teve um filho. E "ele cada vez pior": "Todos os dias chegava a casa e levava: ou porque a louça estava por lavar ou porque estava sentada a ver a novela. Se ele fosse atrás de mim para o quarto, a menina levava o menino para o outro lado da casa. Com cinco anos. Ela era tão pequena... E cuidava do irmão de três."
Acabara de fazer 26 anos. Trabalhava num restaurante até à meia-noite, duas da manhã. Ele deixara o Exército, trabalhava num bar de alterne. Ia buscá-la ao restaurante ou mandava um táxi para a conduzir a casa. E de manhã passava pela ama, trazia as crianças. Trazia-as cada vez mais tarde. "No fim, eu já pouco as via. Ele andava com eles às voltas de carro."
Um dia, Natália meteu-se num táxi e foi buscar os filhos. Viu-o com alternadeiras dentro do carro. Seguiu-o. "O chão era de cascalho. Peguei num bocado e atirei-lhe. Tranquei a porta do carro e comecei a bater-lhe. Ele não conseguia sair. Não sei o que me deu!" Pegou nos miúdos. "A minha mãe já tinha morrido. Não tinha para onde ir." Foi à PSP: "Tinha apresentado uma queixa dois dias antes. Disse que nesse dia lhe tinha batido e que tinha medo de voltar para casa." Conduziram-na a uma casa-abrigo: "Andava escondida pelas ruas e ele atrás de mim. Quando me apanhava, batia-me. A polícia deu-lhe o número de telefone da casa-abrigo! Ele chegou a ir lá ver os miúdos!"
Levantou metade do dinheiro do casal e voou para o continente. A tia que a recebeu gastou-lhe grande parte. Quando já não havia, pô-la na rua. E ela foi à Segurança Social, desesperada. De lá ligaram para o 144. E ela entrou na casa-abrigo das Soroptismit com os filhos.
As regras, ali, são apertadas: "Não tinha controlo sobre a minha vida. Mas fui muito ajudada. Arranjaram-me médico de família, abono, escola, ATL." Ajudaram-na a alugar casa com "arrendamento jovem". Já depois de sair, quando trabalhava ao fim-de-semana, continuou a lá deixar os miúdos.