29.11.08

Divergências sobre a PAC levam UE a recusar aumento da ajuda aos mais carenciados

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Seis países bloquearam ontem um acordo dos ministros da Agricultura da União Europeia (UE) sobre um reforço da ajuda alimentar às populações mais carenciadas devido a uma divergência de fundo com os seus pares sobre o futuro da Política Agrícola Comum (PAC).

A posição destes países - Alemanha, Reino Unido, Holanda, Suécia, Dinamarca e República Checa - impede, por agora, o aumento, a partir de 2009, da ajuda alimentar europeia de 300 para 500 milhões de euros anuais. Segundo a Comissão Europeia, 13 milhões de pessoas beneficiaram desta ajuda em 2006.

Em Portugal, o aumento proposto permitiria duplicar este tipo de apoio de 14 para 28 milhões de euros anuais (incluindo 2,5 milhões de "co-financiamento" nacional obrigatório), em apoio de "perto de 100 mil famílias", ou "cerca de 450 mil pessoas", segundo o ministro Jaime Silva.

O impasse de ontem significa que a questão, até agora tratada pela presidência francesa da UE, favorável à medida, passará para a responsabilidade da República Checa, que lhe sucede a 1 de Janeiro, mas cujo ministro foi um dos mais firmes opositores.

Para os seis países, a medida proposta não deve sair do orçamento agrícola mas sim das políticas sociais, que permanecem uma competência nacional. "É preciso que todos os nossos cidadãos tenham com que comer, mas temos uma objecção de fundo: a que se trate de uma medida agrícola", resumiu o secretário de Estado inglês, Huw Irraca-Davies.

Esta posição marca uma inversão do que tem sido a regra de financiamento deste tipo de programas a partir da PAC. É certo que até há pouco a questão ficava resolvida quase integralmente a partir dos excedentes agrícolas, que, por estarem hoje a um dos níveis mais baixos de sempre, obrigam os Estados a adquirir directamente no mercado os produtos necessários para a ajuda alimentar.

Jaime Silva apontou, aliás, a contradição dos seus pares, que "ainda há duas semanas" aprovaram a distribuição de frutas nas escolas - ao abrigo de um novo programa de luta contra a obesidade - criado nos mecanismos da PAC.

Ou seja, frisou, a PAC já "tem sido usada para apoiar medidas de carácter social". "Vinte e um países pensam que a PAC tem objectivos mais vastos, em termos ambientais ou sociais, do que aqueles que estavam previstos no início", como a auto-suficiência alimentar ou a garantia dos rendimentos dos agricultores, continuou o ministro, precisando que "Portugal é favorável a outros objectivos [para a PAC] que não os puramente relacionados com o equilíbrio do mercado". Por isso, defendeu, os Estados-membros que estão contra devem assumir (...) que não querem uma política comum de solidariedade" com base "nas disponibilidades da PAC".

Em pano de fundo deste debate está a guerra decretada praticamente pelos mesmos países contra a preservação da PAC depois de 2013 - altura em que os montantes e as regras do orçamento da UE deverão ser revistos - o que os leva a recusar sistematicamente qualquer aumento do seu âmbito ou dos seus compromissos.

Principal defensora dos actuais mecanismos de apoio aos agricultores, a presidência francesa da UE tentou convencer os seus pares a fixar desde já alguns dos princípios para o futuro da mais velha e integrada das políticas comuns, no quadro de um documento pedindo uma PAC "ambiciosa", a par da preservação da velha "preferência comunitária" ou da "estabilização do mercado".

Os países contrários, que apostam no desmantelamento da PAC ou pelo menos numa forte redução das suas despesas - a agricultura ainda representa cerca de 40 por cento do orçamento, ou mais de 50 mil milhões de euros anuais - impuseram no entanto um tal número de alterações e adendas que o projecto de conclusões do conselho de ministros passou a integrar praticamente tudo e o seu contrário.

Mesmo assim, o Reino Unido, Suécia e Letónia mantiveram a sua oposição ao texto, obrigando a presidência a assumir o documento como seu.