Bárbara Wong, in Jornal Público
O que é bom presente para um idoso? Receber uma visita. Um grupo de pessoas quer cumprir esse desejo. Vão dar uma manta e ouvem uma história
Tinha cerca de 40 anos e por altura do Carnaval foi convidada para um baile de máscaras. Mandou vir a costureira que fez o fato dela e do marido. Ele ainda protestou, mas acabou por anuir. Quando o casal entrou no baile foi o foco das atenções, ela de totós no cabelo escuro e vestidinho e ele de bibe da escola, lado a lado com faustosos reis e Marias Antonietas. "Tivemos a lata de aparecer assim!" Ausenda Sancho dá uma gargalhada, divertida enquanto olha para a fotografia, a preto e branco, numa moldura de prata, exposta na sala.
Ausenda Sancho tem 86 anos e uma vida imensa de histórias para contar. Adora conversar e salta de uma história para outra, com algumas décadas de diferença, para regressar à primeira que não havia concluído. Esta é uma característica de todos os que têm centenas de experiências para partilhar, fruto dos anos que viveram. Ausenda não é a única: em Portugal 17,4 por cento da população tem mais de 65 anos, quase dois milhões de idosos. Destes, muitos estão sozinhos em casa, sem visitas, sem ninguém com quem conversar e que de certeza têm muitas histórias para contar. Foi a pensar nelas que Rita Melo, psicóloga, com uma especialidade em gerontologia, teve uma ideia para este Natal: "Gerar uma corrente mas centrada nas pessoas com o Natal mais frio, aquelas que não têm a família por perto, os idosos".
Uma ideia que cresce
Rita não foi a única a ter uma ideia para fazer a diferença neste Natal. São muitos os chamados mecenas invisíveis, pessoas que ajudam os outros sobretudo nesta época e dentro do contexto da crise económica. Ana Serras, professora reformada, lembra a origem grega da palavra crise, que significa crescimento. "É preciso crescer, temos que ver para onde." Ana procura contribuir para melhorar a vida dos outros através de pequenos gestos, de palavras amigas que possam fazer a diferença. Maria das Neves, costureira reformada, decidiu fazer um cabaz de Natal, com produtos que recolheu pelas lojas da aldeia onde vive, agora vai leiloá-lo entre a família e os amigos, a receita reverterá a favor do centro de dia da terra. Há escolas que propõem aos alunos ajudar os mais carenciados, seja através de géneros alimentícios, produtos de higiene, brinquedos, roupas, serviço de voluntariado ou mesmo dinheiro.
Na cabeça de Rita Melo, a ideia de fazer algo de diferente neste Natal começou a tomar forma. Para os mais idosos, o que é que seria um bom presente, perguntou-se. Receber uma visita, alguém com quem falar. Essa visita poderia oferecer uma manta e em troca ouvir uma história. Rita Melo considera que cada idoso é uma biblioteca e que quando contam histórias se reinventam, que a sua expressão muda, ilumina-se. Portanto, continua, quem vai receber um enorme presente é a visita que ouvir o que o idoso tiver para contar. "Uma história é uma coisa preciosa", é a sua convicção.
Pessoas carenciadas
A ideia não tem ainda um mês e correu já centenas de caixas de correio electrónico. A proposta é dar uma manta a uma pessoa de idade, em troca de uma história, no próximo dia 20 e assim assinalar o Natal deste ano. Ausenda declara não corresponder ao retrato feito do idoso sozinho e esquecido pelos filhos, diz imediatamente que não quer nenhuma manta, mas não deixa de elogiar a proposta e de confessar que adora contar histórias. Recorda um Natal, quando tinha 35 anos e decidiu fazer uma surpresa à família. Na sala pendurou uma tela e tapou-a com um pano bonito e com algumas decorações de Natal.
A casa estava cheia de crianças que corriam de um lado para o outro. Ninguém teve curiosidade em ver do que se tratava, só o marido ficou intrigado e decidiu descobrir o que estava por detrás daquele pano. Era o retrato de Ausenda pintado a óleo. "Foi uma alegria para todos", exclama.
Rita Melo está espantada e feliz com a adesão que tem conseguido à sua ideia, há instituições que se propuseram levar a cabo a proposta, quer em Setúbal, onde mora, quer em Lisboa, onde trabalha. O ideal é que a conseguisse alargar a todo o país, exclama. "Há muitas pessoas carecidas, não só de coisas materiais, mas de atenção, de acompanhamento. As pessoas não têm tempo para estar umas com as outras", lamenta o padre Ponces de Carvalho, pároco da Basílica da Estrela.
Investimento anónimo
Naquela paróquia, há senhoras que organizam bazares de Natal, com peças antigas, outras novas, cujo dinheiro reverte a favor dos mais pobres. Há famílias abastadas que ajudam as mais carenciadas, que ajudam pequenos conventos vizinhos, onde freiras vivem com dificuldade. Todos são mecenas invisíveis, caracteriza Ponces de Carvalho, que conhece muitos que contribuem com quantias avultadas e que não o fazem para ter contrapartidas fiscais. "Há bastante investimento anónimo", diz.
Talvez, numa altura de crise, as ajudas materiais possam ser menores, diz o sacerdote; Rita Melo acredita que podem ser maiores. "A solidariedade também se observa em populações extremamente carenciadas. Se olharmos para o melhor das pessoas, elas dão o seu melhor", defende com optimismo.
Às vezes, basta um gesto para fazer a diferença. Desde que o segundo bisneto nasceu, há seis anos, que Ausenda se tem dedicado a ele - "é o homem da minha vida", confessa -, vai buscá-lo à escola, dá-lhe o almoço e às vezes o jantar. Um destes dias, decidiu convidar o outro bisneto e pôs a mesa com outro cuidado. Quando os meninos entraram ficaram espantados. "Que bonito!", exclamou o mais pequeno. "Foi um pequeno gesto que fez a alegria deles", conclui a bisavó.