Leonor Paiva Watson, in Jornal de Notícias
Ao lado da pobreza tradicional cresce uma outra de gente que tem emprego e que pode até ser qualificada
Ao lado dos pobres de sempre, isto é, os desempregados inseridos em famílias de parcos recursos económicos, muitas a viverem em habitação social e com o rendimento Social de Inserção; ou dos idosos que vivem com menos de 300 euros por mês, e que já são mais de um milhão em Portugal, cresce uma outra pobreza, ainda muito envergonhada, mas cada vez mais visível.
Os seus personagens estão em idade produtiva, na sua maioria trabalham, mas não auferem o suficiente para fazer face às necessidades do seu agregado.
Há quem diga que o problema é terem embarcado no crédito sem reservas, endividando-se até níveis insuportáveis. Mas também há quem defenda que são apenas vítimas de um sistema neo-liberal selvagem que oferece ordenados incompatíveis com as necessidades mais básicas de um ser humano: tecto, comida e despesas tão simples como a conta da água ou da luz. Cruzando estas duas posições perceber-se-ão os alicerces desta assustadora realidade.
"Têm casa, têm carro, têm electrodomésticos, mas tudo pago a crédito. Tudo junto é asfixiante. O que acontece é que Portugal viveu durante décadas mergulhado numa realidade onde não se consumia, a não ser o estritamente necessário. Vivia-se de forma muito remediadinha. Hoje os bens de consumo estão mais democratizados, são de mais fácil acesso pelas facilidades do crédito. Fascinadas com a possibilidade de terem as coisas, as pessoas endividam-se de tal maneira que, a dada altura, não sabem como sair da situação", retrata Isabel Jonet.
A presidente do Banco Alimentar acrescenta que "temos uma profunda incultura financeira, porque não sabemos os que significam os créditos. Por outro lado, deixamos de poupar. Não existe o pé de meia como antigamente, que existia para uma qualquer eventualidade como uma doença"., reitera.
O resultado é chegarem todos os dias pedidos de ajuda ao Banco Alimentar. "As pessoas pedem aconselhamento, pedem uma orientação. Neste momento até temos uma assistente social só a trabalhar nisso", esclareceu.
Para o Padre Jardim, da Rede Europeia Contra a Pobreza, há pormenores que fazem toda a diferença. "Em primeiro lugar, estas pessoas não sua maioria não se endividam, endividaram-se quando tinham emprego, quando podiam pagar e nada fazia crer que fossem perder os seus trabalhos", defende. No fundo, o padre Jardim entende que estas pessoas - às quais se pode juntar qualquer um de nós por mais qualificado que seja - foram traídas por um sistema que aparentava estabilidade mas que está a ruir. "Temos uma crise financeira sem precedentes. Há uma crise na habitação, no sector alimentar, etc, etc".
Claro que o padre Jardim sabe que há gente que compra, sem poder, um televisor plasma a prestações, quando "podia comprar um mais baratinho". Da mesma fora Isabel Jonet sabe que "há pessoas que trabalham muito, não acumulam créditos, mas ganham tão-pouco que mal dá para a prestação da casa". Certo é que, se outrora havia uma caracterização muito bem delimitada do que era o pobre, hoje já não é assim.
Até há uns anos os pobres eram as gerações que se seguiram às do exôdo rural. As pessoas que pouco qualificadas ficavam nas periferias, muitas em bairros camarários. Pessoas que, com o tempo, foram perdendo empregos porque a mãos de obra barata é mais barata em outros países. Hoje, a partir da entrada do euro, os novos pobres são outros. "Porque se perdeu a noção do dinheiro", refere Jonet; e porque "as pessoas estão sujeitas às mudanças bruscas e estruturais", conclui o Padre Jardim.