Luís Filipe Malheiro, in Jornal da Madeira
Estou convencido que os Estados não têm capacidade para impedirem o aparecimento de focos de pobreza, porque não controlam directamente os circuitos económicos, não conseguem manter em actividade empresas que encerram, não são capazes de aumentar, de um momento para outro, os níveis de escolaridade e de formação de milhares de pessoas, crescentemente relegadas para o desemprego por incapacidade ou não cumprimento dos requisitos de selecção utilizados.
O Funchal voltou a ser palco, recentemente, de uma iniciativa partidária — há quem ainda não tenha percebido que quando os partidos se metem neste tema e noutros temas mais sensíveis, partidarizando excessivamente o debate e manipulando as coisas em função dos seus interesses ou pontos de vista, estragam tudo — destinada a discutir a pobreza. A dada altura, chega a parecer que o mais importante na Madeira não é encontrar soluções, minimamente plausíveis, mas estar permanentemente a falar na pobreza como se de uma bandeira se tratasse, indiferentes aos dramas sociais a ela associados. Parece-me até que entre determinadas forças políticas, há uma disputa frenética — quase que se atropelam para ver quem apresenta mais iniciativas — como se o mais importante fosse o seu envolvimento numa disputa quantificadora da pobreza na região, sem qualquer base científica de confiança. Quanto a soluções, nada. Se não interessa dizer que existem 10 mil pobres, então toca a multiplicar esse número por não sei quantos, até ultrapassar os 50 mil ou mais pobres. Depois, essa “verdade”, atirada irresponsavelmente para a comunicação social por um partido, passa a ser considerada um dogma, utilizado arbitrária e levianamente por partidos, ainda por cima sem moral para apontarem o dedo seja a quem for.
Recordo que em 2001 — consequência de uma herança deixada por obsoletos, corruptos e ultrapassados sistemas políticos anteriores — um relatório da UNICEF reconhecia que o número de crianças que viviam na pobreza estava a aumentar no Leste Europeu e nos países da antiga União Soviética. O documento da Unicef confirmava então a existência de 18 milhões de crianças nessa região a viver em condições de pobreza, crianças que sobreviviam com menos de 2,15 dólares diários, enquanto outras 60 milhões de crianças e jovens viviam com menos de 4,3 dólares por dia. O relatório sobre a situação dos países do Leste Europeu, distribuído dez anos depois do fim da União Soviética, reconhecia que “a tarefa de construir uma sociedade humana foi negligenciada na busca do crescimento económico”.
É sabido que a taxa de pobreza da União Europeia está nos 16% desde 2000 e que em Portugal há 1,8 milhões de pobres, segundo as estatísticas oficiais. A nível mundial, calcula-se que mais de 850 milhões de pessoas, sejam vítimas de subnutrição, a maior parte das quais são mulheres e crianças nos países em vias de desenvolvimento. Estatísticas mostram que o flagelo da fome atinge quase 800 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, 30 milhões nos países em transição (casos da ex-União Soviética) e 12 a 15 milhões nos países desenvolvidos. Portugal possui um dos mais altos valores, à escala Europeia, no que respeita aos indicadores de pobreza e assimetria de rendimentos. Estudos da Comissão Europeia, concluíam que em Portugal cerca de 28% das famílias possuíam um rendimento inferior a 50% da média nacional, enquanto que no espaço comunitário esse valor era de 17%. E quais as causas? Dizem os especialistas que o nosso país possui ainda uma certa pobreza tradicional, muito associada ao mundo rural, e onde a privação de indicadores mínimos de conforto é conhecida. Existem depois indivíduos que, apesar de inseridos no mercado de trabalho, desfrutam de rendimentos insuficientes em virtude dos seus muito baixos níveis de qualificação profissional. Paralelamente, são inegáveis fenómenos de exclusão social associados a recentes movimentos migratórios ou à concentração urbana e suburbana, bem como os novos grupos de risco que crescem especialmente nesse meio urbano.
Estou convencido que os Estados não têm capacidade para impedir o aparecimento de focos de pobreza, porque não controlam directamente os circuitos económicos, não conseguem manter em actividade empresas que encerram, não são capazes de aumentar, de um momento para outro, os níveis de escolaridade e de formação de milhares de pessoas, crescentemente relegadas para o desemprego por incapacidade ou não cumprimento dos requisitos de selecção utilizados.
Por outro lado é evidente que a nossa sociedade está mergulhada num egoísmo crescente, que nem esconde uma falta de sensibilidade para realidades que acabam por dizer respeito ao colectivo, à sociedade da qual fazemos parte. Não existem, nem temos, soluções milagrosas para a pobreza. Mas há manifestações de solidariedade que deveriam constituir uma obrigação, em vez de continuarmos a ver por aí desperdício, intoleráveis (e estranhos) sinais exteriores de riqueza, absolutamente patéticos — mas no fundo à imagem dos seus protagonistas — forretices inadmissíveis e muita ganância, a triste ganância de querer encher mais, cada vez mais os bolsos, de arrotar com a pança cheia, indiferentes ao facto de ao seu lado estar um homem ou uma mulher que não consegue comer, ou de não sei onde viverem famílias mergulhadas num cenário de confrangedora miséria. Há muita gente que entende que o apoio aos cidadãos mais pobres de uma sociedade só existe quando os governos enchem os bolsos das pessoas carenciadas de apoio com euros. Bom seria que assim fosse, porque a Europa continua mergulhada vergonhosamente numa crise social, sem perspectivas de ser capaz de dar a volta por cima dos problemas que se acumulam, afectando a confiança dos europeus na União.
O desemprego cresce, a pobreza tende a aumentar, a crise económica está a gerar novos pobres e a desestabilizar famílias, enfim, estamos não propriamente à beira do caos absoluto, mas andamos a rondar as portas de duma perigosa realidade social que, a não ser travada a tempo e com medidas eficazes, poderá transformar-se numa vaga capaz de arrastar governos, governantes e políticos à sua frente, para os quais é muito fácil falar por mero oportunismo e demagogia neste tema.
É neste quadro que vou falar da Itália. Com todos os seus defeitos e virtudes, provavelmente mais aqueles que estes, a verdade é que o governo italiano de Berlusconi terá encontrado o que poderá ser uma solução para garantir ajuda aos italianos mais pobres, medida esta que poderá estar blindada contra qualquer tentativa de manipulação ou de corrupção. Falo da distribuição de cartões magnéticos, a partir de Dezembro, semelhantes aos cartões bancários mas que garantem aos cidadãos comprovadamente mais carenciados, descontos nos supermercados e nas contas de luz. A iniciativa foi anunciada pelo ministro da Economia, Giulio Tremonti. De acordo com a imprensa italiana, os abatimentos previstos para os beneficiários totalizarão 480 euros ao ano (40 euros mensais), e para efeitos de utilização em compras os cartões terão receptividade em redes com as quais o Executivo vai procurar estabelecer convénios.
A institucionalização deste cartão destinado aos italianos pobres — iniciativa que foi pela primeira vez falada quando os governos de todo o mundo assumiram o compromisso de lutar contra a pobreza — pretende evitar um impacto negativo causado por uma grande recessão económica e será oferecido às famílias com filhos e aos maiores de 65 anos com um rendimento anual igual ou inferior ou igual a 6 mil euros. Podem candidatar-se os cidadãos com mais de 70 anos que ganhem até 8 mil euros ao ano.
Ora parece-me, salvo melhor opinião e a possibilidade de estar a sugerir uma asneira, que em vez de atribuição de subsídios ou de intervenções pontuais, as entidades públicas podiam muito bem estudar a adaptação desta medida à nossa realidade, por exemplo admitir a eventualidade de criação de um cartão do género que propiciaria ao seu beneficiário, e até determinado montante mensal, descontos no pagamento das contas de água, luz, telefones, nos transportes públicos e/ou nos medicamentos (um adicional à comparticipação da segurança social). Estava por isso excluída a sua utilização em situações abusivas, dado que o cartão teria um determinado plafond e um fim previamente estabelecido, ao qual estaria indexado.