26.11.08

Situação económica está a aumentar vulnerabilidade a perturbações mentais como a depressão

Catarina Gomes, in Jornal Público

A actual crise financeira conduz a situações que favorecem o aparecimento de perturbações psiquiátricas como a depressão, defendeu ontem José Manuel Jara, director do serviço de Psiquiatria no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa.

A pressão financeira a que estão sujeitas algumas famílias conduz a situações como o desemprego e o duplo emprego. Ao mesmo tempo, o médico diz que atende cada vez mais doentes, na sua prática privada, "que têm que trabalhar mais para manter o seu nível social", reduzindo a quase nada os tempos de recriação e repouso. "Há pessoas que já nem descansam. Os estilos de vida têm muito a ver com a saúde mental", nota José Manuel Jara, que participou em Lisboa num workshop sobre saúde mental.

E depois há pessoas que não conseguem mesmo manter o seu estatuto - "baixar de nível social é disruptivo". São todas situações que, "em algumas pessoas mais vulneráveis", podem favorecer doenças de génese emocional, como as perturbações depressivas, referiu.

"A apreensão com que as pessoas encaram a vida aumenta a vulnerabilidade para as perturbações mentais. A crise repercute-se na saúde mental", diz, apontando para o exemplo da crise financeira de 1929, altura em que se verificou um aumento da prevalência de suicídios.

Segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, cerca de dez por cento dos portugueses já sofreu, em algum período da sua vida, de perturbações psiquiátricas. Actualmente, cinco por cento da população sofre de depressão grave, cerca de dois por cento de distúrbio bipolar e um por cento de esquizofrenia.

Questionado sobre a reforma da saúde mental em Portugal, José Manuel Jara diz que "os princípios da reestruturação estão certos", mas afirma que a ideia "também é poupar", lamentando que não se conheçam os meios financeiros que vão ser investidos.
"A psiquiatria em Portugal é barata", ironizou, notando que só três por cento do orçamento da Saúde é dedicado à saúde mental, uma proporção mais baixa do que em países como França, Inglaterra ou Espanha. Ao mesmo tempo, nota que a reforma "está a ser lenta". "Ainda não se viu nada a não ser a tendência para fechar o Hospital Miguel Bombarda", em Lisboa.

Luísa Figueira, chefe de serviço de Psiquiatria do Hospital Santa Maria, também em Lisboa, discorda de Jara e diz que a reforma tem que ser lenta para que as coisas não se passem como em Inglaterra ou nos Estados Unidos, em que, com o fecho de hospitais psiquiátricos, "muitos doentes ficaram na rua". A psiquiatra espera que o plano nacional seja cumprido e "que nenhum hospital seja encerrado sem que os doentes crónicos estejam noutros sítios".