Paulo Moura, in Jornal Público
Este ano, os centros comerciais estão cheios como sempre, mas os comerciantes queixam-se. As pessoas vão lá passear, mas compram na rua
Sábado, chuva e subsídio de Natal: são 11 da manhã e o maior centro comercial do país já está cheio. A euforia ataca os três pisos do Colombo, em Lisboa, de cima para baixo. Começa na restauração, em bolinhos e cafeína (só num ponto há fila para o café: no Quiosque de Sabores, onde a bica custa 50 cêntimos. Na maior parte das outras cafetarias custa 60), desce ao pronto-a-vestir, aterra nos móveis e telemóveis, e continua a descer. Fora do centro comercial, em frente às paragens de autocarro e a estação do metro, e nos subterrâneos desta, a azáfama chega mais tarde. Só depois de almoço, muitas voltas depois. Como se, para muitos, o dia começasse na nave da catedral e acabasse nas catacumbas.
"Quanto custa aquele par de botas?" É o pai que pergunta, Paulo Ferreira, de 44 anos. São umas botas beges de cano alto, em pele. Adriana, a filha, de 12 anos, toca o pêlo brilhante do artigo pendurado sobre a banca de cimento.
"Dez euros", diz Catarina Maria Cachopo, de 74 anos. "Não ganho nada. É só para despachar". Catarina apanha todos os dias o comboio das 6h20 na Amora, na Margem Sul, onde vive, para abrir esta banca no mercado em frente ao Colombo. E também a outra ao lado, onde vende roupa interior. "Isto está mau. Não se vende nada, desde que, há um ano, chegaram os chineses, lá em baixo".
Os "chineses" é uma loja enorme, no subterrâneo do metro. Chama--se Fashion Mart e vende de tudo, de roupa a malas, de calçado a relógios. É um armazém, uma espécie de El Corte Inglés com empregados de olhos orientais.
"Os chineses é que nos tiram os clientes. O Colombo não", explica Catarina, cuecas de senhora a um euro, boxers de homem a dois (três custam cinco). "Pelo contrário. O Colombo atrai pessoas. Vão para lá passear e depois compram aqui. Antes, tudo aquilo era um descampado. Ninguém vinha para esta zona".
Isso passou-se há 13 anos, quando Catarina e todos os vendedores do Terreiro do Paço foram obrigados a vir para aqui. Para os instalar, a câmara municipal construiu estas bancas cobertas. Hoje, os vendedores pagam 120 euros mensais por cada banca. O Colombo só foi construído dois anos depois, o que não foi problema para eles. A diferença foi para melhor.
Pobres no íntimo
Paulo está decidido a comprar as botas à filha. "No Colombo, umas iguais custam 60 euros", diz ele, depois de ter corrido várias lojas. É esse o seu método. "Nunca compro nada antes de ir a todas as lojas, comparar os preços. Andámos, por exemplo, à procura de uma impressora, para ela. Fomos à Worten, à Vobis, à FNAC. Os preços são todos diferentes, para a mesma impressora. Chega a haver diferença de 15 euros". Paulo vive na Amadora, da sua reforma, antecipada devido a um acidente. Há oito anos, a mulher abandonou--o, a ele e à filha, que tem de educar sozinho.
A busca pela impressora continuará, até se encontrar a mais barata do mercado. Daqui a uma semana, o aparelho, muito útil para os trabalhos escolares de Adriana, que está no 7.º ano, será adquirido - ou não. "Depende das notas que ela tiver. Se forem más, não tem prendas", explica o pai.
Já as botas são mesmo necessárias, porque os ténis da rapariga estão ensopados. Mas, na banca de Catarina, ao contrário do que acontece nas sapatarias, o número mais alto que há, para mulher, é o 39. Adriana calça 40.
"As pessoas arranjam todos os pretextos para não comprarem", diz Matilde Augusta, de 80 anos, que explora outra banca do mercado. "Parece que alguns só recebem o subsídio a 15 de Dezembro. É a minha esperança". Um par de calças, 10 euros (no ano passado custavam 20). Camisas, cinco euros. Cuecas, um.
"A culpa não é dos chineses. Não tenho problemas com eles. A culpa é de certas pessoas que querem ganhar mais do que outros". Faz um vago gesto para o lado, para se referir aos colegas. "Querem ganhar tudo. Mas, no mundo, as coisas têm de ser distribuídas por todos". Blusão de ganga, 10 euros.
"Compro aqui porque é mais barato". Marta Figueira, de 27 anos, acaba de dar dois euros por dois pares de cuecas de renda preta. Vive no Cacém, é solteira e empregada numa loja de roupa do Colombo. Veste uma camisola de lã e uma gabardina branca que não foram, seguramente, compradas aqui. "É verdade. Compro a roupa exterior no Colombo, mas a interior venho ao mercado".
Matilde tem muitos clientes do "mercado" ao lado. "Mulheres e homens, de todas as idades. A maior parte das pessoas que trabalha no Colombo vem comprar aqui". Nem que seja apenas a roupa íntima. "Sabe - diz Marta -, é porque temos de parecer ricos, mas, no íntimo, somos pobres".
Marta, de 27 anos, compra a roupa exterior no Colombo, mas as peças íntimas adquire-as no mercado. "Temos de parecer ricos".