26.11.08

Nova pobreza envergonhada está a alastrar em Portugal

Carla Aguiar, in Diário de Notícias

Alerta. Presidente da República diz que o cenário que antecipou em 2007 está a concretizar-se

Misericórdias reafirmam aumento dos pedidos de apoio e dificuldades para pagar creches


O Chefe do Estado considerou ontem que estamos a assistir em Portugal ao "desenvolvimento de novas formas de pobreza, como a pobreza envergonhada". Cavaco Silva disse que, fruto das crescentes dificuldades económicas, lhe têm chegado testemunhos de pessoas que eram voluntárias em instituições de solidariedade social "para ajudar os outros e hoje procuram essas instituições porque precisam de apoio para elas próprias".

Cavaco Silva - que presidia à inauguração da sede da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) - sublinhou que este cenário, para o qual chamou a atenção em Maio do ano passado, "acabou por concretizar-se". O Presidente referia-se à iniciativa "Roteiro para a Inclusão", que promoveu em 2007, na qual convidou a uma "reflexão sobre os novos desafios no domínio da pobreza e da exclusão social, as causas os novos contextos, os novos pobres, o desemprego ou a dificuldade no pagamento de empréstimos à habitação".

Situações que, segundo o chefe de Estado, estão a gerar uma pobreza envergonhada, que faz com que as pessoas escondam a cara no momento em que procuram ajuda em instituições de solidariedade social. E, alertou, exigem um trabalho em rede e a continuação da articulação entre as instituições e os poderes públicos.

Foi neste contexto que Cavaco Silva saudou o papel das misericórdias ao longo dos séculos e o seu contributo para minorar os problemas sociais e económicos dos mais desfavorecidos.

Mais pedidos.

Na mesma linha, o presidente da UMP, Manuel Lemos, reafirmou o crescendo dos pedidos de ajuda às misericórdias nos últimos meses. Mas também novas realidades, como solicitações de "compreensão" por parte de pais que não conseguem pagar as creches e jardins de infância.

Um problema que se estende ainda ao universo da terceira idade. Neste capítulo, Manuel Lemos referiu que "a par de uma maior pressão para acolhermos idosos nos lares, há famílias a recolher os seus idosos desses mesmos lares na expectativa de que a sua escassa pensão possa contribuir para equilibrar o orçamento familiar". O dirigente da União das Misericórdias Portuguesas lançou um alerta para que não se subestime a importância de todos estes sinais: "Estas e outras situações, sem serem ainda alarmantes, são muito delicadas e não vale a pena escamotear no contexto de crise económica e social que se anuncia e que necessitam análise e reflexão séria".

Para Manuel Lemos, só essa reflexão pode "gerar um consenso alargado na sociedade portuguesa que permita, em estreita cooperação com o Governo, propor soluções equilibradas a instituições". Manifestando a disponibilidade das misericórdias para continuar a prestar serviço à comunidade, Manuel Lemos disse esperar que se crie um "consenso alargado entre as instituições e o Governo e que se proponham soluções exequíveis". Porque, explicou, já ficou evidente, depois de muitas medidas e vários governos, que "não é só distribuindo mais dinheiro às pessoas que se resolve o problema da pobreza e da exclusão". Aquela entidade e o Governo celebraram este ano um novo protocolo de financiamento, após meses de discordância.