16.11.08

"Na economia o pior ainda está para vir" e o primeiro trimestre de 2009 será muito mau

Ana Brito, in Jornal Público

Director de alocação de activos do Barclays Wealth diz que BCE reagiu tarde à crise e será forçado a maiores cortes nos juros


Do lado do sistema financeiro "o pior já passou", mas, no que toca ao comportamento da economia, o director mundial de alocação de activos do Barclays Wealth não tem dúvidas de que "o pior está para vir".

Em entrevista ao PÚBLICO, Mads Pedersen assegurou que o mundo está a caminho de uma "séria recessão" e que "as coisas ainda vão piorar muito, antes de começarem a melhorar".

O especialista não hesita em apontar o dedo ao Banco Central Europeu (BCE), que em sua opinião foi demasiado conservador e demorou muito tempo a reagir à crise.

"É óbvio que o BCE está no ritmo errado. Há nitidamente um erro de política do banco central", disse Pedersen, para quem as taxas de juro da zona euro há muito deveriam estar nos dois por cento. Com as taxas da Reserva Federal norte-americana (Fed) em um por cento e as do BCE em 3,25 por cento, Pedersen nota que as instituições "não podem estar as duas certas".

Porque a grande questão que se coloca é que Europa e Estados Unidos "não estão em situações muito diferentes". No ano passado "talvez fosse possível discutir as diferenças, mas este ano tudo se resumiu a ver as economias abrandarem dramaticamente", afirmou o especialista. Por isso, "é claro que o BCE subestimou o risco", continuou demasiado focado na inflação e não fez tudo o que estava ao seu alcance para contrariar o abrandamento económico, acusou.

Mads Pedersen considera que o próximo corte de juros na Europa deverá "acontecer muito rapidamente" e será de 0,5 pontos percentuais. E espera que a taxa de referência já esteja nos dois por cento antes do Verão.

Por essa altura, a economia norte-americana mostrará os primeiros sinais de recuperação, mas não sem antes se assistir a um primeiro trimestre "muito pior que numa recessão normal", nos dois lados do Atlântico.

"Para as pessoas normais, o pico da dor vai ser por volta do segundo ou terceiro trimestre do ano que vem", vaticinou. Nessa altura a inflação terá desaparecido, mas "o desemprego estará muito alto." No caso particular do Reino Unido, que vai enfrentar a primeira recessão em 15 anos, Pedersen considera que serão necessários entre seis a nove meses "até se encontrar alguma estabilização".

Oportunidade interessante
Para que a situação na Europa melhore, os Estados Unidos terão que desenvencilhar-se primeiro, algo que não será possível sem que o mercado de crédito se reorganize e se reduzam os custos de endividamento das empresas. Por isso, Mads Pedersen considera que as acções do sector financeiro poderão representar oportunidades interessantes.
Apesar de algum pessimismo no curto prazo, "porque os mercados continuam a reflectir algum pânico", Pedersen considera que o preço das acções já está a descontar a queda de resultados das empresas devido ao abrandamento económico.

O especialista considera que, de uma forma geral, as avaliações das acções estão atractivas, pelo que nos próximos 12 meses os títulos terão uma performance "razoavelmente boa", tendo em conta a expectativa de diminuição da volatilidade.

Pedersen não tem dúvidas de que o mundo voltará a assistir a outras crises do sector financeiro, mas "nenhuma com as mesmas proporções", nem provocada pelos mesmos motivos.

O responsável do Barclays Wealth assume que "a engenharia financeira saiu do controlo", mas diz que há duas maneiras para ver a questão. "Tem de haver mais responsabilidade por parte de quem emite os produtos, mas os investidores também têm que perceber o que estão a comprar."

E o futuro? O futuro trará certamente mais regulação. "Todos vemos que o capitalismo foi demasiado longe. Não o capitalismo em si, mas o conceito de mercado livre." Ter uma regulação forte "não é a mesma coisa que ter um sistema em que tudo é proibido e não há dúvida de que temos que manter o capitalismo sob controlo", concluiu.

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Mads Pederson diz esperar que as taxas de juro da zona euro estejam nos dois por cento antes do Verão e acredita que o próximo corte do BCE está para breve e será de 0,5 pontos percentuais.