Catarina Gomes, in Jornal Público
Dados nacionais revelam "tolerância em relação ao retardamento da saída de casa dos pais" e "dependência em relação à família"
O nível de bem-estar dos portugueses é um dos mais baixos no conjunto de 23 países europeus analisados. No que toca à felicidade e satisfação com a vida, só estamos à frente da Hungria, Rússia, Ucrânia e Bulgária. Este é um dos dados do 3.º Inquérito Social Europeu, um projecto que se repete a cada dois anos (com diferentes perguntas) e que pretende auscultar e comparar valores e atitudes sociais na Europa. A apresentação é hoje, em Lisboa.
Além de indicadores objectivos, como o nível de desemprego, o acesso à saúde e à educação e a riqueza do país, o indicador subjectivo do bem-estar serve aqui para avaliar a qualidade de vida. Nas 2222 entrevistas, feitas em Portugal entre Outubro de 2006 e Fevereiro de 2007, os inquiridos tiveram que avaliar o seu bem-estar a três níveis: subjectivo (felicidade e satisfação com a vida), psicológico (realização pessoal e controlo da vida) e social (sentimento de integração e ligação). Nas três dimensões, Portugal está sempre nos níveis mais baixos: em 19.º lugar no subjectivo, 16.º no psicológico e 15.º no social. Os países à frente nestes indicadores são invariavelmente do Norte e Centro da Europa, alternando a Dinamarca com a Suíça, a Suécia e a Finlândia.
"O bem-estar é a questão que mais me preocupa", diz Jorge Vala, o coordenador do projecto nacional por parte do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que diz que não é possível fazer gestão política apenas centrada nos aspectos económicos. "O nível de realização das pessoas e a participação em decisões são dimensões do bem-estar."
O investigador realça que Portugal é também um dos países em que é mais baixa a satisfação com a qualidade da democracia e mais alto o desinteresse pela política. Os indivíduos que mais confiam nas outras pessoas, que têm mais interesses políticos e participam em actividades políticas são também os que apresentam maiores níveis de bem-estar, sublinha.
Os europeus também foram inquiridos sobre os tempos de vida, ou seja, sobre os eventos que marcam pontos de viragem. Na Europa, há padrões semelhantes: a maioria pensa que a primeira relação sexual deverá ocorrer entre os 16 e 18 anos, a saída da escola entre os 20 e 26 anos, a idade ideal para casar anda nos 25 anos, para ter o primeiro filho aos 28, a idade máxima para ter um filho é aos 44 anos e a idade ideal para reforma os 60 anos.
Sair de casa aos 31 anos
Neste percurso, Portugal afasta-se da média europeia. Questionados sobre a idade ideal para sair de casa dos pais, 20 por cento dos europeus dizem que não é possível definir uma idade; em Portugal, este valor sobe para os 40 por cento. Para a média dos europeus, é tolerável viver em casa dos pais até aos 28 anos; em Portugal, a fasquia sobe para os 31 anos. Ambos são indicadores que revelam "uma tolerância em relação ao retardamento da saída de casa dos pais. Há uma sobrevalorização da família como valor e de dependência em relação à família", nota Jorge Vala. O investigador considera que as percepções sociais adaptaram-se "aos condicionamentos da vida".
Jorge Vala realça que, apesar dos níveis de escolarização e da longevidade se terem alargado, a percepção sobre a idade ideal para a reforma não mudou, está por volta dos 60 anos. "Seria de esperar que houvesse alteração da idade da reforma e isso não se verifica. Não interiorizámos o adiamento da entrada na reforma como nos está a ser exigida por fragilidades da segurança social." Jorge Vala afirma que a percepção não mudou, apesar de hoje as pessoas prolongarem as suas capacidades motoras, funcionais e cognitivas até bastante mais tarde, o que permite o prolongamento do tempo de trabalho.