in Jornal de Notícias
Uma linha telefónica de apoio aos pais que são maltratados pelos filhos, que deverá denominar-se SOS PAIS, está a ser preparada para apoiar as vítimas deste fenómeno social, cada vez mais frequente, mas ainda pouco conhecido.
"Este é um dos principais tabus da nossa sociedade", afirmou hoje à Lusa Maria da Encarnação Honrado, principal impulsionadora da iniciativa, frisando que se trata de "um fenómeno que existe há muito e que se tem vindo a agravar".
Segundo esta juíza do Tribunal de Oeiras, trata-se de "um fenómeno transversal, que atinge todas as classes sociais e não apenas, como muitos pensam, as mais desfavorecidas".
Este problema de violência familiar é mais frequente - disse - nas relações entre filho e mãe, onde não existe a figura do pai ou o pai é ausente.
"Há casos de violência psicológica, mas a maioria são situações de violência física e de grande agressividade", frisou a magistrada, acrescentando que este fenómeno não é possível de quantificar actualmente porque se trata de situações que, por regra, "não são objecto de queixa".
Apesar disso, ao longo dos anos, fruto da experiência nos tribunais, mas também de conversas e contactos que foi mantendo, Maria da Encarnação Honrado apercebeu-se que se trata de um "fenómeno crescente" e que era urgente "apoiar aqueles que são vítimas de maus-tratos por parte daqueles que educam".
"Quando as pessoas são vítimas de maus-tratos, a primeira pergunta que fazem é onde é que erraram e sentem-se sozinhas. Esta linha não vai pretender julgar os pais ou o seu desempenho, mas ajudá-los, dizendo-lhes que não estão sozinhos", afirmou.
A juíza esclareceu que "não se pretende que se apresente queixa dos filhos, mas apoiar os pais", referindo-se aos objectivos da linha telefónica de apoio que está a preparar.
A linha, "vai intervir para restaurar o equilíbrio emocional e, depois, fornecer ferramentas que permitam aos pais lidar com o problema".
"Penso que o binómio deve ser pais felizes/filhos felizes. Temos que apoiar os pais para poder existir depois um reflexo na forma como se desenvolve a relação com os filhos", defendeu Maria da Encarnação Honrado.
Este crescente fenómeno das famílias em que os pais são maltratados pelos filhos é o tema central de um encontro que se realiza quinta e sexta-feira no Porto, com a participação de especialistas nacionais e estrangeiros.
A iniciativa, promovida pela CrescerSER - Associação Portuguesa para os Direitos dos Menores e da Família, surge numa altura em que "começa a ter uma expressão preocupante em Portugal o fenómeno das famílias maltratadas pelos filhos", salientou uma fonte da organização.
O primeiro provedor de menores em Espanha, Javier Urra, é um dos participantes neste encontro, onde abordará o problema da comunicação entre pais e filhos, numa análise da difícil relação entre jovens e adultos.
Javier Urra, psicólogo forense, é o autor do livro 'O Pequeno Ditador', onde defende que os limites e as regras são fundamentais na educação das crianças.
O ex-ministro português da Justiça, Laborinho Lúcio, e a pedopsiquiatra Alda Mira Coelho, especializada em intervenção junto de jovens em risco, são alguns dos participantes neste encontro, que decorrerá no Auditório da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN)
A associação CrescerSER é uma instituição particular de solidariedade social que desenvolve a actividade na área da protecção e defesa dos direitos da criança e da família.
Esta associação tem actualmente a funcionar vários centros de acolhimento para crianças e jovens em risco, entre as quais a Casa de Cedofeita e a Casa do Vale, ambas no Porto.
A Casa de Cedofeita, com lotação para 10 crianças, está a funcionar desde 1996, enquanto a Casa do Vale, que abriu as portas em 2004, tem capacidade para acolher 14 jovens dos 12 aos 18 anos.