Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Uma parte cada vez maior do que é produzido na economia vai para os rendimentos dos estrangeiros que financiaram Portugal
A chanceler Angela Merkel, depois de uma reunião com altos responsáveis da Opel, admitiu ontem a hipótese de o Governo ajudar a empresa, nomeadamente através de uma fiança, mas só se os meios disponibilizados ficarem na Alemanha (ver página 38).
a O crescimento do PIB esperado para este ano em Portugal não se deverá reflectir numa variação real positiva do rendimento dos agentes económicos que vivem no país. Esta conclusão é retirada da análise da evolução do rendimento nacional bruto (RNB), que, em relação ao produto interno bruto (PIB), retira das contas o rendimento obtido em Portugal por estrangeiros e acrescenta os rendimentos recebidos do resto do mundo por residentes no país.
De acordo com as previsões apresentadas no início deste mês pela Comissão Europeia, apesar de o PIB português poder vir a apresentar ainda um crescimento real de 0,5 por cento em 2008, o RNB terá já uma contracção de 0,2 por cento, ou seja, uma parte importante do crescimento do país acaba por sair para o estrangeiro, por via dos rendimentos pagos aos não residentes que, por exemplo, decidiram instalar uma sucursal da sua empresa em Portugal ou emprestaram dinheiro a uma empresa portuguesa.
Estas projecções da Comissão batem certo com os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE) que já estão disponíveis para a primeira metade do ano. Em termos homólogos, o PIB registou uma variação real de 0,8 por cento no primeiro semestre do ano. Mas a variação real do RNB já foi negativa, registando-se uma contracção de 0,2 por cento. Tal como faz a Comissão Europeia, o PÚBLICO utilizou o deflator do PIB para calcular a variação real do rendimento nacional, uma vez que o INE não produz um deflator próprio para este indicador. Para o terceiro trimestre, a estimativa rápida para o PIB apresentada pelo INE não dá indicações sobre a evolução registada no RNB.
Preocupação de Cavaco
A divergência entre o que a economia cresce e a forma como aumenta o rendimento que fica no país não é de agora. Em 2006, quando a economia portuguesa cresceu 1,4 por cento, o RNB caiu 0,3 por cento. Nos últimos cinco anos, invariavelmente, o RNB cresceu menos que o PIB.
Isto deve-se, em larga medida, ao facto de a economia portuguesa estar, já há muito tempo, a recorrer ao estrangeiro para financiar o seu crescimento. O problema desta estratégia, que levou a um agravamento do endividamento externo, é que, na altura em que quem financia recolhe os seus rendimentos, o dinheiro acaba por sair do país.
Outra forma de observar este fenómeno é verificar a subida em flecha que se tem verificado no défice da balança de rendimentos portuguesa, que, entre 2003 e 2007, passou de 1,7 para 4,5 por cento do PIB, o valor mais alto de sempre.
Na semana passada, o Presidente da República manifestou a sua preocupação com este tema. Quando questionado sobre os dados relativos ao PIB no terceiro trimestre, Cavaco Silva afirmou que "mais importante que olhar para o PIB seria olhar para o rendimento nacional". "Uma coisa é o rendimento gerado pelo país, e outra é o que fica no país. Espero que, tal como acontece na Irlanda e noutros países, se comece a salientar mais o rendimento nacional bruto do que o produto interno bruto, porque tem mais significado", explicou.
A deterioração da balança de rendimentos e a evolução negativa do rendimento nacional têm sido também argumentos utilizados por aqueles que defendem maior contenção na realização de investimentos públicos. Num artigo de opinião publicado no PÚBLICO, o anterior ministro das Finanças Luís Campos e Cunha escreveu que "o que interessa para a melhoria do nosso bem-estar não é o crescimento do PIB, mas do rendimento nacional bruto", aproveitando para assinalar o efeito negativo que podem ter neste indicador investimentos públicos com reduzida rentabilidade e que, inevitavelmente, são financiados no estrangeiro.
O caso irlandês
Portugal não está, nesta matéria, isolado na Europa. Pelo contrário, há vários países em que a aceleração da economia não foi acompanhada por um mesmo ritmo de crescimento do rendimento nacional. O maior exemplo é a Irlanda, onde o valor do RNB foi, no ano de 2007, quase 15 por cento menor do que o PIB. Isto deve-se a um modelo de crescimento baseado em larga medida na atracção de investimento directo estrangeiro.
O mesmo acontece em vários países do Leste europeu, como a Estónia, Hungria e República Checa. Acrescentando o Luxemburgo, estes são os cinco países da União Europeia em que o diferencial entre produto interno e rendimento nacional é mais elevado do que em Portugal. O problema, para Portugal, é que este valor, equivalente ao défice da balança de rendimentos, continua a subir.
Cavaco Silva, defendeu que mais importante que olhar para a evolução do PIB seria ver o rendimento nacional bruto.