2.11.08

Casamentos mistos mais do que quadruplicaram

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

A subida é tanto mais significativa quando o número de enlaces atingiu mínimos históricos. Uniões com brasileiros multiplicaram por 15


Maria embarcou em Minas Gerais e desembarcou em Portugal há três anos. Conheceu logo um português que lhe agradou: "Foi assim que eu cheguei. Era muito sofrimento. Precisava de trabalhar. Não tinha como pagar renda". Juntou-se ao marmorista.

Não foi, como costuma dizer, "a primeira". O número de casamentos entre portugueses e estrangeiros registados em Portugal mais do que quadruplicou em dez anos: o país passou de uns discretos 1262 registos em 1997 para uns mais visíveis 5678 registos em 2007. Maria integra a onda de mudança. Casou a 25 de Outubro de 2006, em Braga. Na cerimónia, apenas ela, o noivo, as testemunhas, a conservadora: "A crise estava pegando; não podíamos dar de comer a muitos, demos só a dois".

A subida parece consistente. E é tanto mais relevante quanto o casamento está em perda. Desde 1975, cada vez se casa menos em Portugal. Em 2007, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o país registou uma taxa de nupcialidade de 4,4 casamentos por cada mil habitantes: o valor mais baixo desde 1900.
Fase a esta alteração na sociedade portuguesa, os matrimónios entre portugueses e estrangeiros ganham mais peso. Há dez anos, os chamados casamentos mistos representavam 1,9 por cento. O ano passado, 12,2.

Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante, faz uma associação directa entre o número de casamentos e o número de estrangeiros residentes no território nacional. Em 1997, havia 178.137 cidadãos estrangeiros com permanência regular em Portugal. No ano passado, havia 401.612 com títulos de residência, 5711 concessões de prorrogações de autorização de permanência e 38.383 com prorrogações de vistos de longa duração.

15 vezes mais brasileiros

Os brasileiros são, de longe, os estrangeiros que mais agradam. Os dados de 1997 não estão desagregados por nacionalidade. Para perceber a escalada, temos de recorrer à estatística de 1998, ano que findou com 230 matrimónios entre portugueses e brasileiros: em 2007, celebraram-se 3584, o que representa 15 vezes mais.
Gustavo Behr, presidente da Casa do Brasil, não sabe por que casam mais os portugueses com brasileiras (2838) do que as portuguesas com brasileiros (746). Sabe que há muita gente "a chegar jovem" e a tratar de se integrar.

Alguns, como Maria, accionam o reagrupamento familiar. No início do ano lectivo, a filha chegou a casa num pranto. "Sempre vai havendo alguma discriminação."
Multiplicam-se as nacionalidades em cena. As uniões com cidadãos de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa desenham uma curva ascendente. Inovadora, nesta década em análise, é a existência de consortes oriundos do Paquistão, da Roménia, da Índia, de Marrocos.

SEF investiga 20 processos

Há histórias de amor e de conveniência económica. E há histórias de estrangeiros que casam com cidadãos de países da União Europeia ou titulares do estatuto de residente legal em Portugal com o único objectivo a obter residência.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem sob instrução cerca de 20 processos. São inquéritos "importantes", avalia o director central de Investigação, Pesquisa e Análise de Informação, Joaquim Pedro Oliveira. "A maioria envolve dezenas e mesmo centenas de casamentos", já que as investigações "incidem sobre redes internacionais que se dedicam ao auxílio à imigração ilegal com recurso a este 'esquema'." "Acresce que se trata de um tipo de crime muito recente e para o qual é necessário um particular cuidado na distinção com casos em que o casamento, podendo aparentar ser fictício, acaba por ser perfeitamente 'normal'", refere ainda.

A par, ou talvez à frente, dos casamentos florescem as uniões de facto. Américo Castanheira, da Tudo Faço - Construção de Cenários, apaixonou-se por uma actriz com quem partilha a vida há 15 anos sem casar. Luísa é brasileira-espanhola e já enfrentou burocracia quanto baste num casamento, ou melhor, num divórcio: "No Brasil, foi fácil. Em Espanha, esperei dez anos para me divorciar" (ver texto nesta página).

Conheceram-se no FITEI (Festival Internacional de Expressão Ibérica), em 1988. Ela veio apresentar um espectáculo e ele ficou "logo apaixonado". Ela regressou ao Brasil, pensou em procurar as suas raízes. E, quando se preparava para viver em Espanha, recebeu uma oferta de trabalho em Itália. "Quando fiz três anos em Itália, vim dar um curso de teatro", recorda ela. "Fui sondando a realidade [teatral] portuguesa. Em 1993, o ambiente era muito fechado. O sotaque era muito mal visto. Havia muita reacção por causa das novelas". Ainda assim, arriscou. Mal alugou um apartamento, Américo apareceu com um frigorífico e uma cama de casal. Como resistir? Enveredou por uma via mais académica. E tem andado por diversos sítios. "Na verdade, só estou no Porto há um ano. Sempre andei na estrada", sorri.