9.11.08

Portugal é o país da UE com o maior número de novos casos de sida

Amílcar Correia, em Bruxelas, in Jornal Público

A droga em geral é a causa da morte de um consumidor dia sim, dia não. A heroína continua a ser um problema de saúde pública


Portugal continua a ser o país da União Europeia (UE) com o maior número de novos casos de VIH-Sida entre consumidores de droga por injecção. A tendência decrescente é notória desde 2005, mas ainda não é suficiente para fazer com que Portugal deixe de ser o país com o maior número de situações notificadas.

Os 703 casos registados em 2006 contrastam com os 187 e os 168 contabilizados em países de maior dimensão populacional como são, respectivamente, o Reino Unido e a Alemanha. Segundo um relatório do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT), ontem apresentado em Bruxelas, o índice anual de casos recentemente diagnosticado, apesar de confirmar essa tendência para a diminuição, coloca Portugal numa fasquia elevada para padrões europeus: 66,5 novos casos por cada milhão de habitantes no ano de 2006. Assim, não é de estranhar que Portugal, juntamente com a Espanha e a Itália, surja, também, como o país com a maior taxa de mortalidade causada pela sida entre consumidores por injecção. Em Portugal, a droga em geral é a causa da morte de um consumidor dia sim, dia não.

A expansão do consumo de heroína esteve na origem de um aumento da mortalidade entre a população toxicodependente europeia na década de 80 e no início da década seguinte. Todavia, a imagem degradante deste tipo de consumidor e o maior conhecimento acerca dos riscos da sua administração fizeram com que aquela droga passasse a ser fumada em vez de injectada. Por outro lado, medidas como as trocas de seringas ou os tratamentos de substituição contribuíram para reduzir os níveis de transmissão de doenças infecto-contagiosas e para travar surtos epidémicos no Leste europeu.

No entanto, um dado novo veio baralhar esta tendência. Se, por um lado, a UE tem uma população envelhecida de consumidores de heroína, por outro, verifica-se o surgimento inesperado de novos consumidores, ao ponto de levar os peritos a considerar que este ritmo não permitirá que o problema desapareça de forma significativa nos próximos anos.

Segundo os dados coligidos, relativos a 2006, a heroína continua a ser um problema de saúde pública, com elevados custos sanitários e sociais: 60 por cento dos utentes em serviços de tratamento na Europa são ou foram consumidores deste opiáceo e mais de 40 por cento dos toxicodependentes que iniciaram tratamentos em ambulatório confessaram que a usam por injecção.

O caso afegão


Os dados actuais apontam para uma estabilização do consumo de heroí-na (existem entre 1,3 e 1,7 milhões de consumidores problemáticos), e não para uma descida, como se vinha a detectar nos últimos anos, mas sem atingir os níveis de preocupação epidémica da década passada. Contudo, aumentaram as mortes induzidas por esta substância (responsável por uma overdose fatal a cada hora).

Estes novos dados remetem para o crescimento recente da produção mundial de heroína, que aumentou 34 por cento no ano passado, como consequência directa da actual situação afegã, principal fornecer de ópio ilegal, e para a eventual maior disponibilidade desta substância psicoactiva na UE. Apesar disso, Roland Simon, perito do OEDT, é cauteloso ao afirmar que esse aumento "não tem um impacto dramático na Europa", o que não quer dizer que "não devemos estar atentos".

A produção de heroína superou novo recorde, mas isso não impediu o desenvolvimento de opiáceos sintéticos em países como Letónia, Lituânia ou Estónia. Mais forte do que a heroína e 80 vezes mais potente do que a morfina, o fentanil é a droga que suscita hoje a maior preocupação. Este medicamento, um analgésico que Roland Simon diz ter sido utilizado para sedar elefantes, pode ser engolido, fumado ou misturado com heroína. A sua produção tem estado concentrada em países do Leste com fronteira com a UE e os seus efeitos ameaçam ser devastadores: 70 intoxicações fatais só na Estónia.

O jornalista viajou a convite do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência