Charlotte Plantive, da AFP, in Jornal Público
Os clientes dos restaurantes chiques da Ilha de Luanda comem lagostins grelhados e carpaccios gozando do panorama sobre o Atlântico, a única coisa que partilham com os residentes do musseque vizinho. Nas esplanadas viradas para a areia dourada e as águas turquesa, estes felizardos de uma economia em expansão repousam do stress da capital angolana, com engarrafamentos monstros e superpopulação.
Lá fora, os abrigos ocasionais dos que sobrevivem nesta faixa de terra, as pobres bancadas dos vendedores de peixe, as bacias sem idade dos lavadores de carros... "Aquelas pessoas comem entre elas, não partilham", comenta Joaninha Maria José, 25 anos, que também tem um "restaurante" na Ilha. Só que o seu resume-se a umas mesas e cadeiras de plástico e a um fogão. "Olhem, tudo o que sabem fazer é ostentar o dinheiro", exclama à passagem de um veículo de luxo absolutamente novo, conduzido por um jovem de óculos escuros.
Com cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia, Angola arrebatou em Abril à Nigéria o título de primeiro produtor do continente. O afluxo dos petrodólares, sobretudo depois do fim da guerra civil em 2002, favoreceu a emergência de grandes fortunas na capital. Mas dois terços dos 16 milhões de angolanos vivem com menos de dois dólares por dia. Em Luanda, 90 por cento da população acumula-se em musseques superpovoados, sem água, sem electricidade, no meio de imundícies, muitas vezes à vista de residências sumptuosas com vista para a baía.
"Seis anos depois da paz, as pessoas vêem que a sua vida não melhorou de maneira significativa e há muita frustração", nota Paula Roque, especialista de Angola no Instituto para os Estudos de Segurança (ISS) de Pretória. Em Luanda, cinco a sete milhões de habitantes acotovelam-se numa cidade concebida para 500.000. Poupada pela guerra civil, a capital atraiu os soldados desmobilizados e milhões de camponeses que fogem à violência e a uma terrível pobreza. "Muitos não têm acesso à electricidade ou a saneamento básico e são confrontados todos os dias com as extravagâncias da elite no poder", prossegue Paula Roque.
Apesar da omnipresença do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), "haverá um elemento de surpresa nas eleições", diz. "Não se sabe se os mais pobres vão votar na oposição ou abster-se." Os prognósticos são complicados pela ausência de sondagens e pela reticência de uma população traumatizada pela guerra em falar abertamente de política. O responsável da informação do MPLA na província de Luanda, Fragata de Morais, reconhece que a capital "apresenta um problema".
"É difícil colocar água, electricidade e estruturas de saúde em toda a parte", afirma. "Mas as pessoas não estão encolerizadas contra os ricos, pelo contrário, estes é que constituem a sua esperança." Na Ilha de Luanda, Manuel Jesus Marcos, 37 anos, é de outra opinião: "Quando vejo passar esta gente que tem tanto dinheiro, sofro com isso. E não sou o único a pensar assim." Este antigo soldado combateu pelo MPLA. Desmobilizado devido a um ferimento, vive num pardieiro que se inunda quando a maré sobe. Sem falar directamente das eleições, desabafa: "Estive no Exército e na polícia e agora não tenho nada. Sinto-me humilhado."
2 dólares por dia é quanto dois terços dos 16 milhões de angolanos têm para viver, pagando comida e habitação.