in Agência Ecclesia
Presidente da Caritas afirma que a «praxis tem de ser assumida pelas paróquias»
A pobreza reveste-se de grande complexidade revelando-se, cada vez mais, como um fenómeno com características multidimensionais que vai para além da escassez de recursos económicos. Nas suas causas estão outras problemáticas sociais como o mercado de trabalho, a saúde física e mental, a educação, a formação académica e profissional, a habitação e as relações sociais.
Quem contacta com pessoas em situação de pobreza sabe que, para a grande maioria, não é possível sair dela sem a colaboração de terceiros. Os percursos vitais que levam as pessoas ou famílias a subsistir privadas das condições indispensáveis a uma vida digna são fruto de processos de deterioração social e económica continuados no tempo. Estamos, por isso, perante uma realidade que exige esforços redobrados. Mas que tem solução. A erradicação da pobreza é, de verdade, um facto evitável. O problema actual não é de inexistência de meios, mas de querer ou não querer. Ou seja, já não é um problema técnico, mas político e ético.
No plano ético a Igreja tem uma missão importante e muito específica a desempenhar. Missão ética que não pode ficar apenas pela salvaguarda dos princípios, mas tem que os levar para à praxis. Neste campo é incontornável o reconhecimento do papel que a Igreja, em Portugal, tem desenvolvido no apoio às pessoas e comunidades em situação de pobreza, sobretudo no âmbito da assistência, através das suas múltiplas e diversificadas instituições de caridade. Porém, como bem alertaram os nossos bispos, não «pode servir o muito que já fazemos para aquietar a nossa consciência face ao que ainda falta fazer. Sem pessimismos, importa desenvolver mais esforços, designadamente no que se refere à pastoral social em todas as paróquias». Há que, de facto, repensar alguns aspectos e reforçar noutros, na missão social da Igreja. Na minha perspectiva, ouso avançar, de forma muito rudimentar, com a indicação de algumas opções que a Igreja terá de fazer, a curto e a médio prazo, para que seja mais eficaz o seu contributo para a erradicação da pobreza.
A primeira é, de facto, a “opção preferencial pelos mais pobres”, quaisquer que sejam as pobrezas. Esta opção faz com que a acção social e caritativa não possa ser concebida nem vivida como uma acção periférica e muito menos como uma acção optativa no conjunto das actividades pastorais. Nem tão pouco pode ser entendida como uma mera acção supletiva para necessidades que não estão cobertas pela sociedade. Mas como elemento constitutivo da mesma Igreja, chamada em cada momento a manifestar o amor de Deus pela humanidade.
Neste sentido, o testemunho explícito da caridade não pode ficar confinado à iniciativa de alguns grupos ou pessoas com “devoção” particular para esta missão. Tem de ser assumido pelas paróquias em geral «como exigência da vida da própria comunidade cristã», para que possa envolver todos os que a ela pertencem nas iniciativas a favor dos pobres. É óbvio que não se deve minimizar a acção social e caritativa a nível individual. Porém, é importante não esquecer que os cristãos não estão chamados a exercer o múnus da caridade apenas por “motum próprio”, mas a assumi-lo como um projecto comum, procurando os recursos necessários, incentivando à partilha cristã de bens. Urge estimular a consciência social das comunidades cristãs para que entendam «que o amor também precisa de organização, enquanto pressuposto para um serviço comunitário ordenado».
Julgo, assim, que o primeiro de todos os esforços é assegurar que exista um grupo organizado que, em nome da comunidade, concretize a caridade desta, recrutando mais e mais novos agentes pastorais, capacitando-os para que, como nos recorda Bento XVI, «a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma.». E não estamos imunes a esta transformação da assistência em assistencialismo, que gera dependências e contradiz o testemunho da verdadeira caridade. A assistência é, sem dúvida, necessária, mas é mais profícuo o diálogo, a formação adequada e, antes de tudo, a fraternidade.
Para que esta fraternidade se torne realidade é importante acolher o desafio de abandonar uma mentalidade que considera os pobres como um fardo, ávidos de consumir o que os outros produzem. Há que reconhecer os pobres com as suas riquezas, escutá-los e dar-lhes oportunidades de acção, pois Deus quer enriquecer a todos através deles. Em suma, impõe-se que a Igreja se esforce por agir com os pobres e não pelos e para os pobres.
Por outro lado, uma visão integrada da acção caritativa apela a que os organismos caritativos se abram à colaboração com a sociedade, ajudando a descobrir e a potenciar as iniciativas que favoreçam uma rede entre as forças sociais e a administração pública em geral. Tudo isto fortalecido com a criação de laços de comunhão fraterna a nível paroquial, diocesano, inter-diocesano e internacional.
Por último, mas antes de tudo, é «desejável que se intensifique a formação permanente do clero e dos leigos nesta área», nomeadamente, no ensino da Doutrina Social da Igreja.
Comecei por afirmar que é possível erradicar a pobreza, bastando para isso, vontade política. Termino, dizendo que, para nós cristãos, é necessária uma verdadeira conversão do coração. Na verdade, o serviço dos pobres reclama fé e conversão, pois de outra forma corrermos o risco de curar com uma mão as feridas que produzimos com a outra. Por outro lado, este serviço exige paciência e sentido pedagógico. Há que aceitar, de antemão, a lentidão e os possíveis fracassos. Uma caridade que não está fundada na fé e dinamizada pela esperança, não superará um mero humanismo. E a Igreja está chamada a ser mais que uma associação humanista.
Eugénio Fonseca
Presidente da Caritas Portuguesa