17.10.08

Crise será paga pelos que não beneficiaram com o crescimento

João Manuel Rocha, in Jornal Público

Organização Internacional do Trabalho diz que a desigualdade na distribuição dos rendimentos aumentou de forma dramática nas últimas décadas


Uma parte importante dos custos da actual crise vai recair sobre centenas de milhões de pessoas que não beneficiaram do crescimento económico dos últimos anos, prevê um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ontem divulgado.

O relatório sobre o trabalho no mundo 2008: desigualdades de rendimento na era das finanças globais, apresentado em Genebra, destaca que o forte crescimento da economia mundial, que criou milhões de empregos entre o começo dos anos 1990 e 2007, não evitou que a desigualdade na distribuição de rendimento aumentasse de forma dramática. A OIT, que analisou o crescimento e os salários em mais de 70 países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, calcula em 30 por cento o crescimento do emprego no período referido.

"O estudo mostra de maneira clara que o fosso entre ricos e pobres aumentou desde o início dos anos 90", indica Raymond Torres, director do International Institute for Labour Studies, o organismo de investigação da OIT, que produziu o relatório. "Reflecte o impacto da globalização financeira e a escassa capacidade das políticas nacionais para melhorarem os rendimentos da classe média e dos grupos de baixos recursos. A actual crise piorará a situação, a menos que se adoptem reformas estruturais de longo prazo", acrescenta.

Logo na introdução, o relatório considera a actual crise financeira "uma das mais significativas ameaças à economia mundial na história moderna". "Os problemas de crédito e o colapso dos mercados financeiros estão a afectar decisões de investimento, bem como os rendimentos dos trabalhadores e o emprego."
"Várias das maiores economias mundiais entraram na prática em recessão e o desemprego está a subir. Nas economias emergentes e países em desenvolvimento o crescimento económico abrandou em alguns casos de modo significativo", refere também o estudo. Para a organização, - uma entidade tripartida, onde têm assento governo e parceiros sociais - os esforços que estão a ser feitos para ultrapassar a crise financeira devem "ajudar a evitar outra Grande Depressão", mas é importante que as medidas adoptadas visem também as dimensões estruturais da crise.

Apesar de considerar que os salários diferenciados servem para premiar o empenho, o talento e a inovação no trabalho, o estudo da OIT indica que essa desigualdade, quando é muito grande, pode tornar-se contraproducente e prejudicial para as economias. Nos EUA, por exemplo, em 2007, os presidentes executivos das 15 maiores empresas ganhavam 520 vezes mais do que o trabalhador médio, contra 360 vezes em 2003.
No período analisado, o fosso entre os dez por cento de assalariados com maiores rendimentos e os dez por cento com rendimentos mais baixos aumentou 70 por cento nos países para os quais existe informação disponível. Esse tipo de dados não existe para Portugal, disse ao PÚBLICO um dos autores do relatório, o economista Matthieu Charpe.

A informação sobre o país indica que, ao contrário do que aconteceu com outros, entre 1996 e 2006 a evolução salarial foi superior à da produtividade - 1,7 por cento contra 1,2 por cento -, mas isso não equivale necessariamente a boas notícias. "O salário aumentou um pouco, mas a produção foi relativamente fraca. O 'bolo' não cresceu", sublinhou.

O relatório, que dá conta do aumento das desigualdades na distribuição do rendimento no período anterior à actual crise, analisa também aspectos como os défices de "trabalho digno" e as debilidades das políticas de redistribuição.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, o emprego aumentou 30
por cento entre 1990 e 2007.