in Jornal de Notícias
JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO, PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA, escreve sobre a crise
A onda de choque provocada pela crise financeira, que teve início há pouco mais de um ano nos Estados Unidos, propagou-se ao mundo inteiro. Ninguém está imune. Vimos alguns gigantes do mundo financeiro confrontados subitamente com a perspectiva de falência. Para muitas famílias e empresas, o futuro tornou-se de um dia para o outro mais sombrio.
Mais tarde teremos tempo para analisar o que aconteceu. Agora, o que importa é que os responsáveis políticos dêem as boas respostas, para enfrentar a crise imediata, proteger a poupança dos cidadãos e assegurar que as empresas dispõem do crédito de que necessitam, e instituam um melhor sistema de governação para o futuro.
No último ano, a União Europeia actuou a vários níveis - governos nacionais, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - para tentar resolver os problemas do sistema financeiro. Estamos a aumentar a transparência e a melhorar a supervisão e as normas financeiras. Mas a resposta da Europa continua a apresentar um carácter essencialmente nacional. Embora existam mais de 8 000 bancos na UE, dois terços dos activos bancários totais são detidos por apenas 44 bancos transfronteiriços. Muitos deles operam em pelo menos seis Estados-Membros diferentes. É o Mercado Único em acção: mas estes bancos transfronteiriços têm de lidar com sistemas de supervisão diferentes em cada Estado-Membro.
Os acontecimentos destes últimos dias mostraram que estes intervenientes de primeiro plano são capazes de cooperar e de resolver com rapidez problemas que surgem de forma repentina. A nossa capacidade de resposta à actual situação de crise tem de dar origem a um sistema mais sólido - e mais europeu - a médio prazo. Uma cooperação mais estruturada implica opções que se revelaram difíceis de aplicar no passado. Seria no entanto lógico suprimir a incoerência que existe entre um mercado à escala continental e sistemas de supervisão nacionais. Quando um banco transfronteiriço está sob pressão, é possível, ainda que não seja fácil, encontrar rapidamente soluções por diversas instâncias de supervisão nacionais trabalhando em paralelo. Seria no entanto preferível criar um quadro de cooperação, que permita acordar antecipadamente a forma de reagir.
Os dirigentes da UE dispõem, nos Ministérios das Finanças, nos Bancos Centrais e nas instâncias de supervisão, de um enorme capital de conhecimentos que podem mobilizar. Temos o dever perante os nossos cidadãos de utilizar estes conhecimentos da melhor forma possível. A Comissão Europeia está determinada em apoiar uma evolução neste sentido. As nossas regras em matéria de concorrência e de auxílios estatais já constituem uma boa ajuda, tendo-se revelado suficientemente rápidas, flexíveis e reactivas para poderem desempenhar o seu papel na acção decisiva destes últimos dias. Graças a estas regras, todos podem estar seguros de que uma decisão de emergência ou de reestruturação não conferirá uma vantagem desleal a certos operadores ou a certos países.
A nossa grande prioridade deve consistir em restabelecer a plena confiança no interior do sector financeiro, bem como a confiança do público no sistema financeiro. Será difícil atingir este objectivo sem um reforço da supervisão e da cooperação a nível da UE.
A criação de sistemas adaptados aos mercados financeiros actuais exigirá um empenhamento sustentado da nossa parte. Esta semana, a Comissão Europeia vai apresentar propostas destinadas a melhorar a qualidade dos fundos próprios dos bancos e a criar instâncias prudenciais de carácter colegial para os bancos transfronteiriços na UE. Nas semanas seguintes, apresentaremos um novo sistema de regulação para as agências de notação de risco de crédito. Quanto mais rapidamente os Estados-Membros e o Parlamento Europeu adoptarem estas propostas, maior será o seu impacto no restabelecimento da confiança.
Para além do amplo roteiro de medidas acordado pelos Ministros das Finanças e das actuais propostas da Comissão, estou convicto de que podemos fazer mais:
- em domínios como a supervisão a nível da UE dos bancos transfronteiriços, garantindo a rápida aplicação de medidas concertadas,
- harmonizando os regimes de garantia de depósitos existentes em todos os Estados-Membros da UE, e
- concebendo novos mecanismos de avaliação dos "activos complexos", para evitar a volatilidade dos preços de mercado em situações de tensão e para assegurar que os bancos da UE estejam em situação de igualdade com os seus homólogos de outras partes do mundo quando se trata, por exemplo, da aplicação das regras contabilísticas.
Contamos igualmente aprofundar a questão da remuneração dos quadros superiores das empresas, inspirando-nos nas recomendações apresentadas pela Comissão já em 2004 - se estas tivessem sido adoptadas de forma mais generalizada, teríamos certamente evitado alguns problemas.
Chegou o momento de ultrapassarmos as perspectivas nacionais - se esta crise nos ensina alguma coisa, é que os mercados financeiros internacionais atingiram actualmente um grau de integração tal que as fronteiras nacionais deixaram de ter grande significado. Se os bancos e as instituições financeiras são internacionais, os reguladores e todos quantos protegem os interesses dos depositantes devem também poder agir rapidamente além-fronteiras.
Tendo em conta a forma como a UE tem dado resposta aos desafios com que se tem confrontado em diferentes circunstâncias, estou convicto de que, também desta vez, teremos a capacidade para o fazer, desde que exista vontade política. Com a nossa experiência de associarmos capacidade técnica e visão política, acredito que a UE tem muito a oferecer, quer na Europa, quer ao mundo, na procura de um sistema que permita regular melhor os mercados financeiros no futuro. A proposta do Presidente Sarkozy de realização de uma conferência internacional é uma excelente sugestão: o sistema actual existe há mais de 50 anos e temos o dever, perante as pessoas afectadas pela actual crise, de estudarmos de forma aprofundada e criteriosa uma solução que permita assegurar a estabilidade e a prosperidade no futuro.